O voto dos portugueses é sempre previsível


Queremos o que não temos.


As elites nunca deixaram de perguntar se Portugal tinha futuro. É uma marca genética, um traço que nos distingue dos alemães, ingleses ou franceses; ao contrário deles, orgulhosos de certezas, temos a arrogância da dúvida permanente. Já o escrevi há uns largos meses: somos orgulhosos, mas fazemos por escondê-lo, como se fôssemos cristãos a rezar nas catacumbas após a morte de Cristo. Quando falamos do que somos, dizemos “os portugueses”, não “nós, os portugueses”. Somos o que somos. Umas vezes, tanto. Outras vezes, nada. Adoramos o que detestamos, odiamos o que amamos. Temos o sol, mas inventámos o fado. Falamos de medo, mas partimos à conquista do mundo. Temos inveja e somos generosos. Somos uma coisa e o seu contrário. 

Em Portugal, o meio-termo é presença não desejada. Escolhemos líderes austeros ou afectivos. Umas vezes preferimos os que nos apertam o cinto, controlam as contas (as suas e as do país), suspendem os compromissos (e, por vezes, a democracia), vivem frugalmente e em silêncio, os que tomam conta de nós. Mas noutras queremos os que nos alargam o cinto, os bem-dispostos, cosmopolitas, bons comunicadores e dialogantes com quem pensa de outra maneira, os que nos deixam mais as nossas ambições de liberdade.

Fernando Pessoa escreveu o definitivo: “Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,/ Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.” Queremos o que não temos. Se temos Cavaco Silva, queremos Marcelo Rebelo de Sousa; se tivermos Marcelo, desejaremos ter Rui Rio; mas se um Rio nos aportar a Belém, desejaremos ardentemente que Guterres regresse a casa, e um dia, por isto ou por aquilo, os mesmos que o quiseram rogarão a Manuela Ferreira Leite por um segundo de atenção. 

Depois do 25 de Abril, a um líder austero sucedeu um afectivo. A Mário Soares (que nos desenjoou do salazarismo) sucedeu Mota Pinto, que deu o lugar a Maria de Lurdes Pintasilgo. A simpática e ilustre senhora aplainou terreno para Sá Carneiro que, tragicamente, veria Balsemão suceder-lhe. Seguir-se-iam Mário Soares (outra vez) e Cavaco Silva. O país já estava por tudo, farto de políticos que se assemelhavam aos da I República na sua lúdica disposição para mais uma crise. Por isso, escolheu o mais próximo que tinha de Salazar.

Dez anos depois, o povo quis calma e esperança, votou em Guterres. Mas, farto de Guterres, quis Durão Barroso. Não desconhecendo esta tendência, foi o próprio PSD, e Jorge Sampaio, a permitir que Santana Lopes pudesse dar-nos um abraço mas, fartos do nacional-porreirismo e querendo alguém que falasse grosso e viesse das inóspitas montanhas, aplaudimos José Sócrates. Como o homem enganou a malta – viera das escarpas, mas o que queria era ser cosmopolita, ter bons fatos, manter a linha e gastar. Cheios de medo da Europa, abrimos os braços a Passos Coelho que, ao contrário do outro, não parecia estar preocupado por ter casa nos subúrbios. 

Austero, afectivo, austero, afectivo, austero, afectivo. Isto é capaz de ter uma explicação lógica e científica. Tendo em atenção estas contas de três simples, Marcelo Rebelo de Sousa será imbatível contra qualquer candidato presidencial. Após uma década de Cavaco, ninguém votará em Rui Rio se tiver alternativa. E Passos Coelho perderá claramente com António Costa se este souber temperar a crispação com uma dose generosa de esperança e sentido de humor. E de amor. As coisas são o que são, não sou eu que o digo, são os votos dos portugueses nos últimos 40 anos. António Costa parece mais bem preparado do que António José Seguro para ser primeiro-ministro, mas o curioso é que talvez o que partiu para parte incerta fosse o homem certo para ganhar – nesta fase, um delicodoce venceria de caras. 

O voto dos portugueses é sempre previsível


Queremos o que não temos.


As elites nunca deixaram de perguntar se Portugal tinha futuro. É uma marca genética, um traço que nos distingue dos alemães, ingleses ou franceses; ao contrário deles, orgulhosos de certezas, temos a arrogância da dúvida permanente. Já o escrevi há uns largos meses: somos orgulhosos, mas fazemos por escondê-lo, como se fôssemos cristãos a rezar nas catacumbas após a morte de Cristo. Quando falamos do que somos, dizemos “os portugueses”, não “nós, os portugueses”. Somos o que somos. Umas vezes, tanto. Outras vezes, nada. Adoramos o que detestamos, odiamos o que amamos. Temos o sol, mas inventámos o fado. Falamos de medo, mas partimos à conquista do mundo. Temos inveja e somos generosos. Somos uma coisa e o seu contrário. 

Em Portugal, o meio-termo é presença não desejada. Escolhemos líderes austeros ou afectivos. Umas vezes preferimos os que nos apertam o cinto, controlam as contas (as suas e as do país), suspendem os compromissos (e, por vezes, a democracia), vivem frugalmente e em silêncio, os que tomam conta de nós. Mas noutras queremos os que nos alargam o cinto, os bem-dispostos, cosmopolitas, bons comunicadores e dialogantes com quem pensa de outra maneira, os que nos deixam mais as nossas ambições de liberdade.

Fernando Pessoa escreveu o definitivo: “Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,/ Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.” Queremos o que não temos. Se temos Cavaco Silva, queremos Marcelo Rebelo de Sousa; se tivermos Marcelo, desejaremos ter Rui Rio; mas se um Rio nos aportar a Belém, desejaremos ardentemente que Guterres regresse a casa, e um dia, por isto ou por aquilo, os mesmos que o quiseram rogarão a Manuela Ferreira Leite por um segundo de atenção. 

Depois do 25 de Abril, a um líder austero sucedeu um afectivo. A Mário Soares (que nos desenjoou do salazarismo) sucedeu Mota Pinto, que deu o lugar a Maria de Lurdes Pintasilgo. A simpática e ilustre senhora aplainou terreno para Sá Carneiro que, tragicamente, veria Balsemão suceder-lhe. Seguir-se-iam Mário Soares (outra vez) e Cavaco Silva. O país já estava por tudo, farto de políticos que se assemelhavam aos da I República na sua lúdica disposição para mais uma crise. Por isso, escolheu o mais próximo que tinha de Salazar.

Dez anos depois, o povo quis calma e esperança, votou em Guterres. Mas, farto de Guterres, quis Durão Barroso. Não desconhecendo esta tendência, foi o próprio PSD, e Jorge Sampaio, a permitir que Santana Lopes pudesse dar-nos um abraço mas, fartos do nacional-porreirismo e querendo alguém que falasse grosso e viesse das inóspitas montanhas, aplaudimos José Sócrates. Como o homem enganou a malta – viera das escarpas, mas o que queria era ser cosmopolita, ter bons fatos, manter a linha e gastar. Cheios de medo da Europa, abrimos os braços a Passos Coelho que, ao contrário do outro, não parecia estar preocupado por ter casa nos subúrbios. 

Austero, afectivo, austero, afectivo, austero, afectivo. Isto é capaz de ter uma explicação lógica e científica. Tendo em atenção estas contas de três simples, Marcelo Rebelo de Sousa será imbatível contra qualquer candidato presidencial. Após uma década de Cavaco, ninguém votará em Rui Rio se tiver alternativa. E Passos Coelho perderá claramente com António Costa se este souber temperar a crispação com uma dose generosa de esperança e sentido de humor. E de amor. As coisas são o que são, não sou eu que o digo, são os votos dos portugueses nos últimos 40 anos. António Costa parece mais bem preparado do que António José Seguro para ser primeiro-ministro, mas o curioso é que talvez o que partiu para parte incerta fosse o homem certo para ganhar – nesta fase, um delicodoce venceria de caras.