Maria Barroso. Republicana, católica e mãe do PS está em coma profundo

Maria Barroso. Republicana, católica e mãe do PS está em coma profundo


Aos 90 anos, Maria de Jesus Barroso sofreu uma queda em casa e, de madrugada, entrou em coma. A família diz que o estado de saúde é irreversível. O seu legado fica.


No site da fundação que Maria Barroso criou há 20 anos, a Pro Dignitate, existe um currículo esmagador: 75 páginas plenas de acção política, humanitária, de representação do Estado. De 90 anos de vida – pública desde muito cedo – da fundadora do PS. A única mulher a estar (a 19 de Abril de 1973) na reunião de Bad Munstereifel onde nasceu o partido. Mesmo casada com um político histórico como é Mário Soares, o seu nome sempre constou na mesma história com peso próprio: Maria de Jesus Barroso. Na quinta-feira à noite deu uma queda de consequências “irreversíveis”.

Tinha passado a tarde na festa de final de ano da classe infantil do Colégio Moderno, ao lado da filha, Isabel Soares, directora da instituição, e do sobrinho Alfredo Barroso e mulher. Bem e feliz. À noite, depois de uma queda em casa, queixou-se de dores na coluna, como contou ontem o sobrinhoe médico Eduardo Barroso, foi ao Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, por precaução. A filha, Isabel Soares, ficou com ela, apesar dos primeiros exames nada revelarem. 
“Às três da manhã entrou em coma, fez-se novo exame e tem uma hemorragia catastrófica”, disse ontem aos jornalistas Eduardo Barroso. A antiga primeira-dama está num “coma profundo”, “irreversível”, explicou o sobrinho. “Estamos à espera que a natureza possa cumprir a sua missão.” À hora do fecho desta edição a situação mantinha-se.

Encruzilhadas Há um mês e meio, Maria Barroso deu uma entrevista ao i (ver a republicação nas páginas 12 a 15), dias depois de ter completado 90 anos. “Valeu a pena ter vivido”, resumia então a socialista “apesar de todas as contrariedades, de todos os revezes, de todas as encruzilhadas”. As primeiras sentiu com a prisão, por motivos políticos, do pai. O oficial do exército Alfredo José Barroso, acabou deportado para o Forte de Angra do Heroísmo, depois de ter participado no golpe militar (falhado) de Setembro de 1927. 

A política sempre foi um meio natural para Maria de Jesus que, em 1969, foi candidata a deputada pela Oposição Democrática. Muitos anos antes tinha sentido o peso da ditadura na própria pele, primeiro como actriz, mais tarde como professora. Representou 4 anos no Teatro Nacional, depois de convencer a mãe a tirar o curso de Arte Dramática no Conservatório (valeu-lhe o apoio do pai). Foi depois de um recital de poesia revolucionária que, no final da década de 40, foi chamada pela PIDE. Não foi presa, mas foi afastada do Teatro Nacional. Em 2004, contou numa entrevista publicada no Diário de Notícias que a aconselharam a escrever uma carta a Salazar a pedir a reintegração. “Não escrevi carta nenhuma ao Salazar, aguentei as consequências de tomar uma posição política”. 

Lidou com as mesmas consequências como educadora – a profissão que disse ser a sua, numa entrevista ao “Expresso” em 2009) – sendo impedida de exercer, até ao final dos regimes de António Oliveira Salazar e Marcello Caetano. Mais tarde, já em democracia, havia de assumir, agora em pleno, a direcção do colégio Moderno, que o sogro João Soares fundou. A democracia trouxe-lhe também a experiência de deputada, sempre pelo PS, pelos círculos de Santarém, Porto e Algarve em 1976, 79, 80 e 83 e, em 1986, levou-a a Belém, como primeira-dama, até 1996.

Na sombra Casou com Mário Soares por procuração, em 49, quando o socialista estava preso no Aljube. Tiveram dois filhos, Isabel e João (deputado do PS). Em 1968, Mário Soares foi deportado para São Tomé. A mulher acompanhou-o. “Quando os homens têm uma grande projecção, as mulheres ficam mais na sombra”, disse ao “Expresso” em 2009 quando falava do protagonismo de Mário. A actriz deu-lhe o palco: “Ele tinha uma vida política muito intensa, e eu tinha a família, os filhos…”

Foi como primeira-dama que mais desenvolveu actividades ligadas à solidariedade, educação, cultura, integração, igualdade, saúde. Presidiu à Cruz Vermelha entre 1997 e 2003 e ajudou a criar a fundação de direitos humanos, Pro Diginitate, a que preside. Tão activa e dinâmica como consensual. Maria Barroso enfrentou, em 2009, um cancro da mama e voltou a adoecer gravemente pouco depois. “Consegui vencer outra vez. E cá estou. Vou vivendo.” Voltou à fé quando, em 1989, o filho teve um grave acidente aéreo em Angola. “Peça a Deus”, dizia-lhe o médico, na África do Sul. “E eu pedi.” “Deus deu-me uma alegria e uma força interior muito grande. De tal maneira que olho para o problema de ter de desaparecer com uma grande serenidade.”