A Grã-Bretanha não gosta muito da Europa. Como bons ilhéus que são, não querem que o Continente lhes diga como devem viver a sua vida. Mas, apesar desse distanciamento, os britânicos ainda são um guia para a Europa. Como, por exemplo, na defesa dos princípios democráticos ou na criação de uma economia de mercado que coexiste de forma saudável com um Estado social sustentável.
Ontem, os britânicos mostraram à Europa que é possível que um partido (os conservadores) que liderou a aplicação de medidas de austeridade duríssimas possa renovar o seu mandato, ganhando sozinho a maioria absoluta e dispensando o seu parceiro de coligação nos últimos quatro anos (os Liberais-Democratas). Ninguém imaginaria que David Cameron conseguisse ganhar as eleições. Nem no último dia de campanha (na última sexta-feira) e muito menos no dia 19 de Outubro de 2010, quando anunciou um pacote de austeridade no total de 128 mil milhões de euros. E porquê? Porque o défice orçamental tinha disparado para 11,4% do PIB e era necessário reduzi-lo para 2% até 2015. A aplicação desta receita foi bem-sucedida e permitiu reestruturar muitos serviços públicos. Os resultados estão à vista: com finanças públicas mais saudáveis, é possível à economia crescer 0,9% em 2014, prevendo-se 1,7% em 2015.
É uma subida ainda tímida, mas David Cameron conseguiu convencer os britânicos de que não valia a pena ir atrás das promessas dos trabalhistas de aumentar o investimento público para fomentar a subida da economia. É tudo um pouco semelhante a Portugal, é certo. Mas a atracção de Passos Coelho pelo abismo político com declarações despropositadas, como aconteceu esta semana com o reavivar do caso da demissão de Paulo Portas no Verão de 2013, pode fazer a diferença.
Um aspecto positivo da vitória dos conservadores foi a varridela eleitoral que a extrema--direita teve. Depois deter ganho as eleições europeias de 2014 com 27,5%, o UKIP teve apenas 12,6%. Esta derrota clamorosa permite a Cameron gerir melhor o referendo de 2017 sobre a presença do Reino Unido na União Europeia (UE). Não existam dúvidas, contudo, de que vamos ouvir o primeiro–ministro a levantar a voz contra Bruxelas até 2017, exigindo uma redução da contribuição financeira para a UE e a devolução da soberania cedida.
Isso gerará mais focos de tensão na União, quando a situação da Grécia está longe de se resolver. Mas poderá ter o efeito positivo de gerar debate sobre o projecto europeu. Sempre que se verifica uma grande crise na UE, parece que só existe uma solução: dar um passo em frente e aprofundar a união política ou a económica e a monetária. As exigências de Cameron vão obrigar outros países a encarar a hipótese de engrenar a marcha--atrás em vez de avançarmos sempre para uma espécie de abismo desconhecido. E isso é claramente positivo porque permitirá combater uma espécie de pensamento único que existe sobre a Europa.
Uma última nota: David Cameron provou mais uma vez que é um político destemido. Arriscou a sua cabeça com um referendo sobre a independência da Escócia e venceu. Apresentou-se sozinho nas eleições e arrasou com uma maioria absoluta que ninguém previu. A caminho do seu segundo mandato, no final do qual completará dez anos como primeiro-ministro, Cameron arrisca-se a vencer o referendo da UE. Desde Margaret Thatcher que os conservadores não tinham ninguém tão inspirador.