Electrodomésticos amorosos


Eu cá gosto da chama mas também prezo muito a harmonia, sobretudo não tenho é paciência para o drama.


À pergunta “como andam as coisas lá por casa”, uma amiga responde-me que vão bem, mas que é estranho porque “em termos práticos, a relação é muito funcional; em termos emocionais é que é mais complicado”. Fiquei a matutar nesta frase e olhei para a minha máquina de lavar com apreensão: será que ela sente o mesmo acerca da nossa relação?

A importância da funcionalidade: eis uma preocupação que não me parece assim tão comum entre os amantes da minha geração. Antes, só isso importava. Hoje em dia – entre amuos, intrigas, discussões arrebatadas, casamentos tardios, filhos tardios, arrependimentos, traições, relações que acabam quando menos se espera e que começam quando não se imagina -, diria até que a disfuncionalidade se afigura apaixonante.

A minha mãe perguntou-me outro dia: porque será que as pessoas demoram tanto tempo a perceber que uma relação não resulta? Acho que é precisamente porque essa conclusão é do domínio da funcionalidade e a maior parte dos apaixonados é muito má a fazer essas contas de cabeça. Por exemplo, outro dia falava com amigos meus sobre comprar um Mac ou um PC e um deles disse: “pagas o dobro mas dura-te o dobro do tempo”. Poderíamos evitar muita devastação se pudéssemos aplicar estes cálculos ao amor.  

Eu cá gosto da chama mas também prezo muito a harmonia, sobretudo não tenho é paciência para o drama. Mas conheço muita gente capaz de matar por um saco de lixo que não foi levado para a rua ou por uma pilha de loiça que se acumula na cozinha. Talvez esta disfuncionalidade crie alguma tensão sexual em casais emocionalmente mais emaranhados. Talvez seja isso que esteja a faltar na vida conjugal da minha amiga: menos pratos a brilhar, mais pratos pelo ar.

Tudo o que se prenda com “termos práticos” no que toca à vida de casal soa-me a ruído. São coisinhas que não são para ali chamadas. Tal como passamos demasiado tempo da nossa vida a trabalhar, também gastamos demasiada energia a tentar compatibilizar o amor com as coisinhas: a conta da luz, o soalho flutuante, a louça sanitária. Se essa parte prática funcionar naturalmente, é uma bênção. Se funcionar mal mas levar a um bom sexo de tréguas, menos mal. Se interferir no amor, é uma tristeza. Se for a única coisa que funciona, então vou ali dar um abracinho à minha máquina de lavar roupa e já volto.
 
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado

Electrodomésticos amorosos


Eu cá gosto da chama mas também prezo muito a harmonia, sobretudo não tenho é paciência para o drama.


À pergunta “como andam as coisas lá por casa”, uma amiga responde-me que vão bem, mas que é estranho porque “em termos práticos, a relação é muito funcional; em termos emocionais é que é mais complicado”. Fiquei a matutar nesta frase e olhei para a minha máquina de lavar com apreensão: será que ela sente o mesmo acerca da nossa relação?

A importância da funcionalidade: eis uma preocupação que não me parece assim tão comum entre os amantes da minha geração. Antes, só isso importava. Hoje em dia – entre amuos, intrigas, discussões arrebatadas, casamentos tardios, filhos tardios, arrependimentos, traições, relações que acabam quando menos se espera e que começam quando não se imagina -, diria até que a disfuncionalidade se afigura apaixonante.

A minha mãe perguntou-me outro dia: porque será que as pessoas demoram tanto tempo a perceber que uma relação não resulta? Acho que é precisamente porque essa conclusão é do domínio da funcionalidade e a maior parte dos apaixonados é muito má a fazer essas contas de cabeça. Por exemplo, outro dia falava com amigos meus sobre comprar um Mac ou um PC e um deles disse: “pagas o dobro mas dura-te o dobro do tempo”. Poderíamos evitar muita devastação se pudéssemos aplicar estes cálculos ao amor.  

Eu cá gosto da chama mas também prezo muito a harmonia, sobretudo não tenho é paciência para o drama. Mas conheço muita gente capaz de matar por um saco de lixo que não foi levado para a rua ou por uma pilha de loiça que se acumula na cozinha. Talvez esta disfuncionalidade crie alguma tensão sexual em casais emocionalmente mais emaranhados. Talvez seja isso que esteja a faltar na vida conjugal da minha amiga: menos pratos a brilhar, mais pratos pelo ar.

Tudo o que se prenda com “termos práticos” no que toca à vida de casal soa-me a ruído. São coisinhas que não são para ali chamadas. Tal como passamos demasiado tempo da nossa vida a trabalhar, também gastamos demasiada energia a tentar compatibilizar o amor com as coisinhas: a conta da luz, o soalho flutuante, a louça sanitária. Se essa parte prática funcionar naturalmente, é uma bênção. Se funcionar mal mas levar a um bom sexo de tréguas, menos mal. Se interferir no amor, é uma tristeza. Se for a única coisa que funciona, então vou ali dar um abracinho à minha máquina de lavar roupa e já volto.
 
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado