Sérgio é um gestor de topo mas, se escolhesse, era capaz de ser só comunicador. É casado, tem dois filhos e está à beira dos 43. Está a ver se a juventude não lhe foge.
Na fronteira com os trintas, Sérgio acordou num domingo e soube que não queria mais estar ali. Virou-se para a mulher e terminou o casamento que, logo ao fim de dois anos, sabia estar condenado. “Eu gosto de pessoas, ela gostava de cães. Eu não era feliz, não a sabia fazer feliz, mas andava à procura de coragem.” O gestor que começara a trabalhar aos 22, e se tornou director financeiro aos 29, entrou então no seu “período de loucura”. Ninguém seria capaz de o convencer de que o seu futuro seria outra coisa que não o de um solteiro desimpedido. “Fui namoradeiro q.b. Não tinha o apelo da paternidade e achava que ia ser um macaco, para sempre de galho em galho.” Mas depois vieram os trintas, um emprego novo e uma nova namorada. E Sérgio, que tinha dito que não se casava mais, ao fim de um ano de vida em comum e quatro viagens nesse ano só, casou-se.
Rita, sete anos mais nova, fê-lo renascer. Ela resume tudo em duas palavras: diz-lhe que foi o seu “make over”. “Usava um cabelo muito esquisito. E ela disse-me: rapa o cabelo. Tinha razão. Nunca mais o deixei crescer.” Foi também o momento em que Sérgio largou o ócio e começou a treinar. “Percebi que não estava contente comigo. ‘Estás gordo. Tens 35 e parece que tens 45.’” O primeiro passo foi comprar uma passadeira lá para casa. Foi na altura do Europeu: a memória diz-lhe que passou todos os jogos de frente para a televisão, só que a correr.
Quem o conhece agora e sabe que acorda todos os dias às seis da manhã para atravessar a ponte, e às sete já está no ginásio, não acredita que na sua primeira vida, lá no tempo do seu primeiro casamento de sofá, tinha mais 15 quilos no corpo. Diz que as provas ainda estão guardadas lá em casa: os casacos dos fatos são tão grandes que dão para cruzar à frente do tronco, como se fossem roupões. Hoje tem cuidado com a alimentação e é incapaz de passar três dias sem correr. Quem disse que uma mulher não pode rejuvenescer um homem? “Tomei duas grandes decisões na minha vida. A primeira foi ter começado a trabalhar numa grande empresa de auditoria. A segunda foi ter pedido a mulher em casamento.”
A 18 dias de fazer 43 anos, Sérgio integra a actual geração bem-sucedida dos 40. Não sabe o que é estar desempregado. Não sabe o que é ter maus salários. Fez um percurso notável de auditor a director financeiro, de controller financeiro a director-geral. Em empresas de topo. Em crescendo. Hoje tem uma certeza: “O trabalho não é aquilo que eu sou, é aquilo que eu faço. Isto não me define. Talvez um jornalista se defina também pelo seu trabalho, mas um gestor não.” Por trás do seu fato de gestor está o Sérgio acelerado, capaz de desbobinar mais palavras num minuto do que as que parecem caber em cinco, que diz ter a síndrome de Peter Pan e um vício além do desporto: o Benfica.
“O meu trabalho é o meu lado oficial, o que paga as minhas contas e os meus luxos, mas não é o meu maior prazer profissional.” A meio da caminhada, Sérgio descobriu que tinha talentos de comunicador. No primeiro ano com Jorge Jesus à frente do Benfica, foi lançada uma campanha de marketing: “Benfica procura treinador.” Sérgio fez um vídeo em que, ao mesmo tempo que ia despindo várias camisolas do clube, explicava porque daria um belo treinador de bancada. Foi convidado pela Benfica TV a comentar em estúdio um jogo da Liga dos Campeões. Correu bem. Convidaram-no para fazer um teste--piloto. Tomou-lhe o gosto. Hoje, durante os fins-de-semana, despe o fato e vai para estúdio comentar futebol inglês.
Se lhe perguntam onde um homem que renasceu aos trintas sente os 40, dá apenas dois exemplos: “Quando saio à noite e quando me olho ao espelho. À noite, são todas garotas. O espelho mostra–me aqui as rugas, o cabelo…” Mas está longe de se sentir acabado: “Os meus amigos estão todos muito mais condenados à pantufa e ao chinelo. E têm casamentos muito mais desgastados.”
Tudo o resto só chega porque há sobressaltos que chegam apenas à quarta década. Pode-se adiar a paternidade aos 20, até aos 30, mas dificilmente aos 40 – a menos que seja uma opção para a vida.
Um ano depois de se casar pela segunda vez, nasceu a Inês. Muitas vezes não são os 40 que nos mudam, explica, mas a vida que temos aos 40 e que já não pode ser a dos 20. “Antes de ser pai, todas as semanas saía e ia ao cinema. Não passava três meses sem viajar.” Três anos depois da Inês, que nem nas viagens dormia, Sérgio cedeu à ideia de tentar um segundo filho. Nunca mais nada seria como dantes. O escritório deixou de ser escritório para passar a ser o quarto dos brinquedos, o pai deixou de ser só o pai para passar a ser um brinquedo vivo, as viagens de avião acabaram e as de carro para o sul do país são uma aventura: a tralha é tanta que é preciso pendurar malas no tejadilho. A liberdade de movimentos também terminou e, com ela, a irreverência de mudar de planos em cima da hora. “Quando era só eu e a minha mulher, bastava ligar a avisar que ia chegar mais tarde. Que ia beber um copo com um amigo. Isso acabou: ela trata deles de manhã e eu, às 18h, religiosamente, tenho de estar na outra margem para os ir buscar.”
Há tempos, Sérgio teve uma proposta para ir trabalhar para Angola com salário de jogador de futebol: no mínimo, quatro vezes mais do que ganha aqui. Pensou. Remoeu. Ponderou. Depois, com uma filha de quatro anos e outro acabado de nascer, esticou e esticou a corda junto dos headhunters: o objectivo era fazer a proposta cair. “O dinheiro é importante, mas não a ponto de sacrificar a família ou o casamento. As coisas correram-me bem, mas não me casei com a profissão. Quando aquilo que ganho me permite ir jantar fora sem fazer contas, acho que não preciso de muito mais. O que é importante nesta vida? Não me preocupo muito em amealhar. Tomei antes a decisão de ser um pai muito presente.”
Foram precisos 78 minutos de conversa para Sérgio se lembrar do grande sinal de que os 40, quando chegam, por mais que se tente, por mais que se corra, já não dão para evitar: “Há uns meses fui desafiado para ir jogar à bola. Foi a primeira vez que me deparei a sério com a chegada da idade. Antes olhava e dizia: vou fazer assim com o pé e vou pôr a bola ali. Agora, os pés parecem um corpo estranho. Foi quando me apercebi de uma coisa terrível: é que já estou mais perto dos 60 que dos 20. Isso significa que a juventude me está a querer fugir. E isso é complicado e não sei bem como se lida com isso.”