Ninguém, no mundo inteiro, odiou tanto fazer 30 anos como a Maria João. Foi como se lhe roubassem a juventude toda num só dia. A maior das chatices foi descobrir que há projectos que, pura e simplesmente, já não podem ser pensados. Como ser bailarina clássica. Não é que algum dia tenha pensado nisso. “Mas e se agora me apetecesse? Simplesmente podia. No fundo, tem de se começar a lidar com a ideia de que o tempo passa.”
Aos trinta é-se demasiado velha para poder ser jovem e demasiado jovem para poder ser velha. Mas neste estranho limbo ainda está quase tudo por fazer e as coisas ganham um sabor diferente. Se, aos 20, a felicidade de uma viagem se resume ao momento, aos 30 é--se feliz também com as memórias. Mais do nunca e mais do que tudo, há certezas.
“Deixa-se de andar a experimentar ou à procura de quem somos e de outras idiotices metafísicas. Eu amo a vida como ela é agora: durmo as horas que preciso de dormir, acordo à hora que quero, viajo sempre que tenho três dias seguidos de folga, vou ao shopping comprar o que me apetece e trabalho até mais tarde quando quiser. Gosto de estar como estou e não penso, por exemplo, em ter filhos. Nunca pensei, mas agora tenho um bocado de medo de me vir a arrepender.”
É que a idade também serve para desarrumar ideias: as escolhas podem até estar consolidadas, mas é preciso sobreviver ao risco de, um dia, a vida voltar a baralhar tudo, dar as cartas outra vez e mostrar que se esteve errado o tempo todo. Um pouco como a história da bailarina. “Dentro de oito ou nove anos acabaram–se os óvulos. Acorda-se de manhã, pensa-se em ter filhos e puff… acabou.”
A ideia de casar não é muito diferente. Há uns anos, a Maria João corrigia, indignada, as empregadas das lojas que se referiam ao André como “o seu marido”: “Não é marido, é namorado.” Com o tempo, deixou de haver paciência para correcções, até porque a palavra “namorado” já é insuficiente para descrever uma relação de 12 anos.
– Então casa-te. Achas que o André quer?
– Se o André quer? Não sei. Ó André, a Rosa está a perguntar se queres casar. Ele está a dizer que sim, que casa. Se calhar então casamos, não sei. Quando vejo outras mulheres a planear casamentos penso sempre: ‘Credo, que maçada.’ É uma trabalheira. Não sei. Se calhar, aos 36 já estou casada, quando i o fizer 12 anos.
– Há a ideia de que a idade traz maior segurança, aprende-se a gostar mais de como se é, perde-se os complexos.
– Hoje gosto mais de mim, mas não sei se não terá sido por ter operado as mamas e o nariz. Eu sofri mesmo mesmo horrores com o nariz durante anos. Tenho fotos de viagens em que o escondia, mexia-me mesmo com a auto-estima. Por isso, não te sei dizer se agora gosto mais de mim por causa da idade ou por me ter operado.
– Mas tu sempre foste uma miúda feliz.
– Passei por fases. Aos seis anos, a idade que o i faz agora, era aquela hiperactividade. Falava de mais, queria de mais. Aos 16 era tola de mais, cortei o cabelo curto e pintei as pontas de um vermelho constrangedor. Tudo o que queria era entrar para o grupo rebelde da escola. Aos 26, construí a ideia de que a felicidade não é um estado de alma, como se diz por aí.
– Também me parece que é capaz de ser uma coisa bem mais consciente.
– Quando, por exemplo, acabei o curso de Psicologia e percebi que não ia ter emprego, fiz-me à vida. Tinha um trabalho de Verão, fui renovando contrato atrás de contrato, hoje estou efectiva e não trocava o que faço. Há meses em que ganho o dobro que as minhas colegas que são psicólogas. Se tivesse ficado à espera de um emprego na área, nunca tinha saído de casa dos meus pais e se calhar era infeliz.
– Lá no teu trabalho só contratam miúdas de vinte e poucos anos. Por muito que seja confortável a tua situação, deves pensar um bocado no futuro: daqui a dez anos, o que é que eles vão fazer com os funcionários que hoje têm 30 anos?
– Também penso nisso. E já me sinto diferente das miúdas. Este ano, é moda, vão trabalhar com a barriga à mostra. Eu já não era capaz de andar assim. Os 30 são a idade do blazer e das jóias. Sabes quando percebi que estava a ficar mais velha? Quando dei por mim a parar nas montras das joalharias. Agora gosto de coisas boas, coisas melhores.
– A dada altura, as miúdas deixam de ser termo de comparação e começas a comparar-te com mulheres mais velhas.
– Sim. E há outras coisas: já não me passa pela cabeça sair de casa despenteada e sem maquilhagem. Penso mais no corpo e muito mais na saúde.
– As mulheres sempre pensaram um bocado no corpo. Mas, tirando isso, acho que não temos nada a ver com as nossas mães.
– As preocupações da minha mãe, quando tinha 30, resumiam-se à vida da casa, ao casamento e a conjugar a fita do meu cabelo com a cor dos meus sapatos. Eu tinha quatro anos. Acho que ela não entende muito bem as minhas escolhas. Há uns tempos, tive de ter uma conversa com ela e explicar-lhe que se para outras pessoas importa ter um bom carro ou aprender cozinhar coisas exóticas, para mim importa juntar dinheiro, nem que tenha de comer folhas de alface, para me meter num avião e viajar. O meu pai compreende, mas continua a tratar-me como uma miúda e a exigir que lhe mande SMS à chegada.
– Já o André não te chateia nada. Foi um achado.
– Ele entende porque já me conheceu assim, muito independente. Aos 17, eu já ia a concertos sozinha e viajava para aqui e para ali quando me apetecia. Mas talvez eu não seja exemplo para nada. Não gosto, por exemplo, de ter de cozinhar todos os dias. Por mim, compro uma salada e estamos bem assim. Ele passa mais tempo na cozinha que eu. A vantagem de uma relação tão longa é que nos percebemos e aceitamos. E sabemos brincar quando as coisas correm mal.
– E o sexo?
– Nisso o Balzac continua, e sempre, a fazer sentido. Sabe-se melhor aquilo que se quer e o que se aprecia e essa confiança dá ferramentas físicas e psicológicas para comandar e, quando apetece, ser comandada.
– Achas que vais ser assim, desempoeirada, quando fores mais velha? Às vezes parece que as pessoas, com o tempo, tendem a tornar-se um bocado chatas.
– Não faço a mínima ideia. Mas serei, de certeza, uma velha cool. Terei lido mais livros, serei mais culta e terei viajado por mais lugares. Assusta é a certeza de que algumas das pessoas de que gosto muito já cá não estarão.
Apesar de tudo, fazer 30 anos é capaz de não ser o fim do mundo. Afinal, a corrida contra o tempo ainda nem a meio vai.