PODIA DIZER que é a principal referência da minha vida, mas vale de muito pouco: a minha vida é irrelevante para as palavras que aqui deixarei escritas. Podia também encontrar adjectivos para a sequência inicial de “O Quarto Mandamento”, que influenciou o modo como se passaram a construir as narrativas. Podia falar da sua voz, da maneira como representava, mas prefiro contar-vos uma história com projectores.
Com menos de 25 anos, Orson Welles ganhara uma série de prémios com encenações em Nova Iorque, cliché que teve como consequência um contrato para uma longa-metragem. A companhia, sabendo da inexperiência do realizador, contratou um oscarizado director de fotografia para o ajudar a iluminar “Citizen Kane”.
Reza a lenda que Greg Toland, que trabalhara com Ford em “As Vinhas da Ira”, foi apanhado de surpresa no primeiro dia de rodagem. Ao chegar ao plateau, percebeu que o jovem mudara os projectores de sítio. Pacientemente, explicou que não podia ser: as luzes, ali, não só não resultavam como, tecnicamente, estava tudo errado. Welles manteve as luzes onde estavam e os homens do dinheiro puseram as mãos na cabeça.
Da loucura nasceu o mais extraordinário filme feito até então – para muitos, o mais genial de todos os tempos. Que inventou um mundo que não existia antes de ser inventado. E que, ao fazê-lo, como acontece sempre quando se imagina para lá da imaginação, motivou a ira dos que juravam que não podia ser, que não fazia sentido. Hoje faz anos. E a morte não tem nada a ver com isto.
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