Teletrabalho. Não ter o patrão por perto é só para alguns

Teletrabalho. Não ter o patrão por perto é só para alguns


É só para quem como Pedro ou Isabel criou uma disciplina rígida e trabalha por objectivos. Satisfação é a grande vantagem, garantem


Pedro Souto levanta-se todas as manhãs ao toque do despertador. Salta para o duche, toma o pequeno-almoço e entra no escritório. Isabel Conceição tem um início de dia um pouco mais agitado. Leva as filhas à escola e ainda transpira 30 minutos no ginásio antes de começar a trabalhar. As rotinas até seriam parecidas com as de muitos de nós não fosse nenhum deles ter de sair de casa para trabalhar. Pedro vive em Sintra e é no seu apartamento que faz consultoria, liderando uma equipa de três pessoas, todas elas a trabalhar também em casa. Isabel mora em Lisboa e é partir do seu quarto que dirige a Mindcoach, usando o email, o telemóvel e o Skype para comunicar com os colegas e os clientes.

Pedro é quase um veterano do teletrabalho. Optou por este modelo em 2002, quando começou a trabalhar por conta própria em consultoria. Desde então nunca mais quis outra coisa. Criou em casa o seu próprio escritório e, na primeira experiência, teve um sócio no Porto com quem se reunia em salas de hotel. Esse tempo acabou, mas mantém-se na área de consultoria em estratégia e organização. A diferença é que agora as reuniões quando acontecem são feitas no escritório virtual do Ávila Business Center, em Lisboa – que também lhe faz o atendimento telefónico e lhe trata da correspondência.

Isabel Conceição faz quase tudo como se estive num escritório convencional. Até as pausas para beber um chá ou comer qualquer coisa são curtas porque sabe que tem clientes à espera. As horas mortas são sempre boas oportunidades para tratar de tarefas domésticas, idas ao supermercado ou à frutaria: “Tenho a sorte de viver numa zona muito bem servida de comércio e serviços, por isso, se estiver numa fase de pouco trabalho, posso passar semanas sem sair do meu bairro.”

Optou pelo teletrabalho em 2013 por julgar que isso se adequa mais ao seu perfil profissional. Tal como Pedro Souto, está convencida de que esta solução não é para todos. A Mindcoach de Lisboa – especializada em formação e de-senvolvimento humanos, sobretudo na área de coaching – também tem essa percepção e por isso dá opção aos colaboradores de trabalharem nas instalações da empresa.

O Perfil certo Autodisciplina e automotivação são dois traços de personalidade obrigatórios, defende Pedro Souto. Até porque sem pressão nem qualquer tipo de controlo a motivação é muito diferente, acrescenta Isabel Conceição. Crianças por perto também não são boa ideia, avisa o empresário de Sintra. Dito isto, há outras condições essenciais mas mais ligadas à logística: “É preciso um escritório autónomo, com o equipamento todo, de computador a secretária, entre outras ferramentas.” Não será do dia para a noite que as rotinas aparecem. O teletrabalho requer habituação e há até os que nunca se acostumam porque precisam de “ritmo de grupo”.

A assertividade no contacto entre colegas e clientes é outro requisito para os profissionais solitários. Os funcionários de empresas que trabalham em teletrabalho têm de ser mais directos no contacto e fazer um maior esforço para se manterem informados sobre as questões laborais: “As pessoas têm de ultrapassar melhor a sua timidez.” E os procedimentos internos também exigem processos “mais robustos” de trabalho: “As pessoas precisam de pontos de controlo e tudo tem de estar muito bem oleado.”

Produtividade As vantagens, diz Isabel são que, “como os horários são muito mais flexíveis, a produtividade pode ser muito superior”. O tipo de negócio da Mindcoach, especializada em coaching. é, em sua opinião, perfeito para o teletrabalho. Os colegas podem sempre comunicar entre si por email, telefone e Skype. “Só nos reunimos fisicamente quando vamos visitar algum cliente. Nesse caso utilizamos as instalações do Ávila Business Center”, conta.
Qualidade de vida O teletrabalho pode até ser uma resposta para os desafios de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. É isso pelo menos que defende o psicólogo de trabalho João Paulo Pereira, que usa o exemplo de vários estudos de organizações internacionais, como a do National Institute for Occupational Safety and Health, para mostrar como este modelo poderá contribuir para aumentar a qualidade de vida ou reduzir os “riscos psicossociais” associados à actividade profissional.

Satisfação De acordo com um estudo da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional, entre 2008 e 2013 houve um crescimento de 53% neste tipo de organização de trabalho. “Não esquecer que foram anos em que se sentiu de forma mais pronunciada a retracção do mercado”, avisa o psicólogo, ressalvando que ainda assim, em comparação com aqueles que trabalham de uma forma dita tradicional, os adeptos do teletrabalho registam 87% de sentimento de melhor qualidade de vida e melhor saúde física e psicológica.

Trabalhar desta forma obriga a um maior envolvimento, maior predisposição para responder a imprevistos e a necessidades específicas que vão surgindo. Os desafios podem ser maiores, mas o especialista ressalva que, regra geral, “toda a dinâmica de trabalho é executada com maior satisfação”. Isto não quer dizer que toda a gente tenha perfil para este modelo. “Ainda há alguma resistência na cultura portuguesa”, defende, esclarecendo que, “no entanto, já se vai verificando uma diluição desta reserva em Portugal”.

O teletrabalho é perfeito para pessoas que desejem liberdade de execução, mas exige responsabilidade, gosto por trabalhar por objectivos, e é uma alternativa que serve sobretudo as empresas mais preocupadas com o bem-estar dos funcionários, diz João Paulo Pereira. E quem se converter a esta nova escola ainda ganha um bónus: “As pessoas que trabalham segundo este modelo recorrem muito menos a apoio psicológico”, garante o especialista.