É uma característica política de Passos Coelho: a atracção pelo abismo. Ao longo de quatro anos, o primeiro-ministro habituou-nos a misturar o seu temperamento sereno e frio com declarações desastradas e em timings errados que são autênticos tiros nos pés. São disso exemplo vários episódios que ficaram colados à sua imagem, como os conselhos para os professores saírem da sua zona de conforto e emigrarem, ou as críticas aos portugueses por serem piegas. Não se esperava que a cinco meses das eleições essa atracção pelo abismo voltasse ao de cima.
O que é certo é que voltou com uma biografia autorizada em que faz questão de recordar pormenores desconhecidos da demissão de Paulo Portas no Verão de 2013. Mais uma vez não se consegue perceber qual é o seu objectivo político e que vantagens isso traz à maioria.
O timing de publicação da biografia é péssimo do ponto de vista político e só favorece a oposição, com destaque para o PS. Trata-se, é importante frisar, de uma biografia autorizada por Passos Coelho e feita por uma assessora do PSD. É portanto um livro totalmente controlado por Passos Coelho. Tudo o que foi dito pelo primeiro-ministro à assessora foi pensado e programado com intenção política.
Com um acordo assinado há 15 dias, não se compreende a necessidade de Passos Coelho ou do PSD de recordar agora o episódio da demissão irrevogável. Há uma coligação acertada e em curso com legislativas daqui a seis meses. Que ganhos políticos haverá para a estratégia eleitoral da coligação com reavivar antigas divergências entre Passos e Portas?
Tudo isto faz pensar em ressentimento – que não é um sentimento bonito, mesmo em política. E é uma autêntica bazucada no pé. Por uma razão simples: cola a maioria e a coligação PSD-CDS à instabilidade política quando a coligação de direita vai conseguir cumprir o mandato até ao fim. António Costa e os socialistas devem estar a agradecer este autêntico figo político e a rir-se no Largo do Rato.
Em segundo lugar, provoca a desunião quando este momento, a cinco meses de umas eleições que vão ser muito disputadas, tem de ser de união clara. Em vez de se ter transformado numa encenação política de união do PSD e do CDS em torno do líder da coligação, o acto de apresentação do livro transformou-se num encontro de intriga e desunião.
Consequentemente, a pergunta retórica que todos os portugueses fazem é simples: por que razão foi feita a coligação pré-eleitoral se há tanto ressentimento entre Passos e Portas?
É verdade que Passos Coelho geriu de forma exemplar o episódio da demissão irrevogável de Paulo Portas, não aceitando a sua demissão. Ao fazê-lo passou claramente o ónus da demissão e da instabilidade política para Portas.
O próprio CDS contestou pela primeira vez Paulo Portas de forma séria desde que este subiu a líder do partido, nos anos 90, criticando-o duramente num célebre conselho nacional. Vários dirigentes do CDS disseram a Portas que tinha agido mal e que o partido não podia sair do governo. Foi essa pressão, juntamente com as diligências de Cavaco Silva, que fez Portas recuar.
É verdade também que Portas ficou fragilizado e ainda hoje está marcado politicamente pelo episódio da demissão irrevogável que deixou de o ser. Mas o que tem a maioria e a coligação PSD/CDS a ganhar com fragilizar ainda mais o vice-primeiro-ministro? Nada. A maioria e a coligação não têm nada a ganhar com regressar ao Verão passado e recordar um episódio de instabilidade política que quase deitou o governo abaixo.
Os quatro anos de austeridade geraram muita insatisfação junto dos portugueses – como aconteceria com qualquer governo independentemente da sua cor política. É por isso que é difícil a maioria renovar o mandato. Com Passos Coelho a dar bazucadas nos pés será impossível.