É provável que António Costa venha a ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. É menos provável do que era no início deste ano, mas a probabilidade de o PSnão ganhar as próximas eleições legislativas é tão elevada como a de o Benfica desperdiçar a hipótese de ser bicampeão pela primeira vez em 31 anos. Não será certamente por mérito próprio, como nunca é – o poder não se conquista, perde-se. Pode ser renovado mas a conquista inicial acontece mais por demérito ou desgaste do adversário.
Por isso mesmo, e antes de entrarmos em campanha eleitoral pura e dura, é importante deixar claro em que áreas houve uma evolução significativa nos últimos quatro anos que não pode ser eliminada pelo próximo governo, provavelmente liderado pelo PS, seja ele minoritário, de bloco central ou de aliança à esquerda. E aqui a justiça e os media estão à cabeça dessa lista. Passos Coelho assegurou uma liberdade nessas duas áreas que veio para ficar.
Comecemos pela justiça. Em muito poucos períodos, talvez com excepção de uma parte do mandato de Souto Moura, existiu como nos últimos quatro anos liberdade de acção para o Ministério Público e a Polícia Judiciária investigarem ou para os tribunais julgarem como desde 2011. Assistimos mesmo a uma mudança de paradigma, com investigações ao ex-primeiro-ministro José Sócrates (e consequente prisão preventiva), ao Caso Vistos Gold (que provocou a demissão de Miguel Macedo do governo) e ao Caso BES (com a detenção para interrogatório de Ricardo Salgado e a acção concertada dos reguladores bancários e dos mercados) – só para mencionar os mais importantes. Como também vimos e ouvimos condenações e penas pesadas nos casos Face Oculta, BCP, Maria Lurdes Rodrigues, entre outros. Esbateu-se (mas não desapareceu ainda) a ideia de que o poder político e financeiro dos arguidos pode condicionar a acção da justiça.
Nos media não se repetiu como em 2005 uma movimentação geral das direcções das principais publicações da comunicação social, tal como não aconteceu nenhum período de claustrofobia jornalística, como nos dois mandatos de Sócrates.Praticamente todos os jornais, por exemplo, se mantiveram fiéis a uma linha editorial antitroika e anti-austeridade bastante crítica para com o governo, sem que isso tenha levado a uma pressão diária sobre as redacções, como acontecia com governos anteriores. Os jornalistas tiveram liberdade para fazer o seu trabalho.
O tempo não pode voltar para trás a partir de Outubro, mas os sinais não têm sido os mais animadores. Na área da justiça, por exemplo, existe um receio declarado de que o PStente ajustar contas com o sector por causa da prisão de José Sócrates como, ironicamente, o próprio Sócrates fez em 2005 acabando com as férias judiciais.
Teme-se que se regresse a um período em que o ministro da Justiça tinha igualmente a função de obter informações da Procuradoria-Geral da República ou da Polícia Judiciária sobre os processos-crime mais importantes e de tentar condicionar as investigações mais sensíveis. Isso não pode voltar a acontecer.
Na área dos media, por outro lado, temos assistido a diversos episódios claramente negativos. É verdade que a proposta de impor uma autorização administrativa para a cobertura jornalística da campanha eleitoral resultou de um acordo PSD, PS e CDS, mas não é menos verdade que a deputada socialista Inês deMedeiros foi a mais assertiva a defender um conjunto de ideias que revelam um grande desconhecimento do que é a liberdade de imprensa. No passado sábado tivemos um novo caso com a revelação nas páginas do “Expresso” de um SMS claramente prepotente de António Costa. Enviar uma mensagem escrita ameaçadora a um director de um dos jornais mais influentes do país (e a propósito de uma crítica banal às ideias de um grupo liderado pelo economista Mário Centeno) para que o jornalista “não tenha dúvidas” sobre o que Costa pensa a respeito do respectivo jornalista está ao nível dos piores casos de José Sócrates – personagem que fazia questão de intimidar jornalistas pelos decibéis da sua voz.
O PS tem de perceber que a liberdade na justiça e nos media adquirida nos últimos quatro anos não pode ser eliminada porque foram conquistas que melhoraram a qualidade da nossa democracia – e definem o tipo de democracia que queremos para Portugal.