Carlos Alexandre responde a denúncias anónimas e revela o que ganha, o que tem e o que gasta

Carlos Alexandre responde a denúncias anónimas e revela o que ganha, o que tem e o que gasta


Juiz contou à Relação de Lisboa que proibiu CGD de aceitar depósitos na sua conta sem a sua autorização


No dia em que foi chamado à Relação de Lisboa para responder, pela segunda vez em poucos meses, a uma denúncia anónima por violação do segredo de justiça, o juiz Carlos Alexandre demorou quatro horas e meia a contar à procuradora que dirigiu o inquérito quais as suas fontes de rendimentos, que bens tem em seu nome e quantos empréstimos contraiu para conseguir comprá-los.

O caso acabou arquivado no fim de Março, mas como a denúncia anónima levantava suspeitas sobre a sua relação com a Cofina e com o Grupo Espírito Santo, e de que poderia haver corrupção e tráfico de influências a mediar as suas relações, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) fez questão de que não restassem quaisquer dúvidas sobre a vida económica e patrimonial de Carlos Alexandre. Por sua iniciativa, revelou até que, para evitar qualquer armadilha, subscreveu um documento, juntamente com a mulher, em que proibiu a Caixa Geral de Depósitos (CGD) de aceitar qualquer depósito na sua conta bancária que não viesse dos ministérios da Justiça e das Finanças, para os quais trabalham, ou de reembolsos de comparticipações de entidades seguradoras ou da ADSE. Tudo o resto, só com ordens de transferências assinadas pelos próprios.

À procuradora Emília Martins, o juiz expôs que, em tempos, teve rendimentos mensais de cerca de 10 mil euros. Hoje estão reduzidos a oito mil: recebe cerca de 4 mil euros pelas funções que acumula enquanto juiz, a que soma mais dois mil euros do salário da mulher, funcionária das Finanças, e dois mil euros provenientes de arrendamentos de imóveis e da reforma da sogra, que mora consigo, com a mulher e com os seus dois filhos numa vivenda em Linda-a--Velha, comprada em 2006 através de um empréstimo de 400 mil euros contraído junto da CGD. Com a casa, contou, despende 2 mil euros por mês.

A casa de Linda-a-Velha não é o único bem que tem em seu nome. Há mais de dez anos investiu num apartamento no Carvoeiro. Novamente através de empréstimo bancário, de 100 mil euros, e da mesma instituição. Todos os meses, pelo menos 600 euros servem para pagar este crédito.

Desde 1986 que tem carro próprio, que vai substituindo, de cinco em cinco anos, sempre com recurso a financiamento bancário – algo que, assume, fará “até que a persuasão da idade o iniba de semelhante luxo”. Actualmente viaja num BMW 320 que lhe custa cerca de 400 euros por mês.

Ao contrário do que avançava o autor da denúncia anónima, Carlos Alexandre não tem uma casa em Monsaraz. No Alentejo, contou à procuradora, é apenas proprietário de duas “pequenas casas em ruínas” no Alandroal, em Évora, terra onde nasceu a mulher. Tem ainda naquela zona outras casas, resultantes de uma herança do sogro, que estão agora habitadas por oito inquilinos. No centro do país é proprietário de uma moradia em Mação, que tinha sido dos pais. Ter-se-á encarregado de a reconstruir, juntamente com a irmã.

Há ainda um outro investimento, contou, a pensar numa futura reforma: meteu–se em mais uma obra de edificação de uma moradia em Mação depois de conseguir um empréstimo de 100 mil euros, em Agosto passado, junto da Caixa de Crédito Agrícola daquela vila. O montante será entregue por tranches em função da construção.

Acumulação de trabalhos E como foi Carlos Alexandre conseguindo pagar estes empréstimos? As justificações também ficaram registadas nos autos do processo, que o i consultou no Tribunal da Relação de Lisboa. Quando em 2000 foi convidado para ser colocado como juiz de instrução junto da Polícia Judiciária Militar (PJM), acumulando com as funções que já exercia nas Varas de Sintra, passou a auferir dois salários – isto até 2004. Depois disso continuou a acumular mais do que um salário normal da magistratura porque foi acumulando funções nas Varas Criminais de Lisboa, no TCIC, na secção criminal militar do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e no Tribunal de Turnos de Lisboa. Além dos “rendimentos salariais acrescidos” e de “algum dinheiro” disponibilizado pela sogra, realça que, nos seus investimentos, também usou uma indemnização de 75 mil euros que a mulher recebeu por acordo com a seguradora do proprietário do carro que a atropelou em Novembro de 2002.

Apesar de todos os detalhes que expôs sobre a sua vida financeira, o juiz responsável por ordenar a prisão preventiva de José Sócrates, em Novembro, disponibilizou-se para entregar todos os documentos que guarda desde 1984 sobre os seus rendimentos e despesas e deu autorização para que fossem consultados todos os dados necessários, inclusivamente telefónicos.

O objectivo era mostrar que não tem qualquer “conúbio” com António José Vilela, jornalista da “Sábado”, nem com qualquer membro da família Espírito Santo, que o obrigasse a passar-lhes informações em segredo de justiça, ao contrário do que sugeria a denúncia anónima. Lembrando os “milhares de processos” que já teve nas mãos e as inspecções feitas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), o juiz frisa que tais elementos são suficientes para “perceber que não houve, nem há, qualquer compromisso da sua parte, não há qualquer ‘captura’, pois sempre decidiu livremente” e, ao longo de quase 30 anos de magistratura, “sempre se responsabilizou por tudo o que disse, escreveu e assinou”.

Outra denúncia anónima já tinha focado o facto de o juiz ter almoçado com um jornalista da “Visão” numa tasca em Moscavide, momento em que alegadamente teria fornecido informações sobre o interrogatório de Ricardo Salgado. Também esse inquérito, depois de a procuradora conferir que o que alegadamente teria sido dito ao almoço não correspondia ao que constava nos autos do interrogatório ao banqueiro, acabou arquivado.

Dessa vez, o juiz entendeu que a carta pretendia criar um ambiente de suspeição à sua volta, para o afastar dos processos mediáticos em curso. Desta, já no final da inquirição, por volta das 20h de um dia que começara com a decisão de ordenar a prisão preventiva de Paulo Pereira Cristóvão, o juiz foi confrontado com uma pergunta-chave: “Dada a profusão de pormenores constantes da denúncia, tem ideia de quem seja o seu autor?” O juiz sugeriu que, dada a profusão de detalhes sobre pessoas com quem se relaciona, e até sobre os jantares que mantém com pessoas naturais de Mação, poderia ser obra de “uma espécie de garde à vue de organizações secretas”.