As eleições dos próximos meses vão seguramente reactivar o tópico decisivo que marca a diferença entre a esquerda e a direita entre nós. Como não temos verdadeiramente nem uma esquerda revolucionária nem uma direita reaccionária, o que marca a diferença entre PS e PSD é, estruturalmente, o que cada um destes partidos quer do Estado.
O PSD e o CDS governaram nos últimos quatro anos usando um expediente externo – as supostas imposições da troika – para vender e concessionar activos públicos, realizando uma receita imediata, mas perdendo capacidade de intervenção e receita pública futura. A rapidez do processo foi tal que, em poucos meses, um governo de direita na Europa aliena activos públicos estruturais a empresas construídas e lideradas pelo PC chinês, e isso nem uma leve ironia suscita a ninguém. Até o PCP se insurgiu contra a venda de parte da EDP ao capital chinês, considerando-a como um “acto de gestão danosa”… O melhor branqueamento, em todos os sentidos e direcções, é o do mercado global, está visto.
Para a direita, o Estado é um mal necessário que deve ser contido com todas as nossas forças. Porque tudo o que é público é, por natureza, mal gerido, deficitário e esbanjador. Esgota as energias e suga os recursos do único país real, que é o país privado. Claro que a direita gosta de falar a este propósito de educação, saúde e afins, sendo-lhe fácil chegar a conclusões convenientes. Olhar a despesa social e exigir-lhe uma rentabilidade especulativa não deixa de ser uma tentação.
No dia em que a actividade privada conseguir dar lucro e tratar de forma igualitária e correcta doentes ou educar convenientemente criancinhas de meios sociais e familiares tão divergentes, sem subvenções públicas e sem cobrar aos envolvidos valores exorbitantes, então converto-me. Até lá, ainda acho que há lugar para serviços públicos e para serviços privados, sendo, aliás, a qualidade dos últimos directamente influenciada pela qualidade dos primeiros. E a eventual margem de lucro que surgiria com a actividade privada deve é ser devidamente aproveitada pela gestão pública para qualificar as prestações em causa.
O ensino superior, entre nós, foi um bom exemplo das motivações e dos resultados francamente discutíveis do sector privado, perante o boom de estudantes entre os anos 80 e 90. Das poucas instituições de ensino superior sobrantes dessa época, muito poucas se procuraram afirmar pela qualidade, suplantando a oferta pública e criando projectos sustentáveis e diferenciadores. Limitaram-se à sua emulação, quantas vezes ela própria simplificada e aligeirada – no fundo, também aquilo que o seu mercado estabelecia como padrão e que muitos dos seus clientes procuravam.
Mais reconfortante do que dar dinheiro a ganhar a um accionista é oferecer à comunidade um serviço ou uma prestação cada vez melhor, digo eu. Mas claro que gostar muito de dinheiro, mesmo sendo pecado, não é proibido.
Professor da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira