Os avisos não são de agora. Perante a guerra civil que grassa na Síria desde 2011, ONG e instituições como a União Europeia denunciaram em Junho que a crise humanitária mundial é já pior que aquela que a SegundaGuerra Mundial gerou. Desde essa altura que não havia tantos refugiados como hoje, até Junho mais de 50 milhões de pessoas foram forçadas a deixar as suas casas, na Síria e noutros países, metade das quais crianças (e um terço delas sem familiares). Se houvesse um país só para essas pessoas, seria a 24.a nação mais populosa do mundo e teria mais habitantes que Espanha, a Colômbia ou a África do Sul.
Ao todo, revelou na altura o ACNUR, alto comissariado da ONU para os refugiados, eram 51,2 milhões de pessoas – mais 6 milhões que em 2012 – que por causa de guerras, perseguições, fome ou falta de água deixaram para trás os seus países, famílias e conhecidos, em busca de um país que as acolha e onde possam viver em paz até regressarem ao seu lar. E a julgar pelos que continuam a tentar entrar na Europa, estes números já terão aumentado, e com eles o balanço de mortos nas travessias do Mediterrâneo.
“Estamos a ser confrontados com imensos custos de não pormos fim à guerras, de não conseguirmos evitar conflitos”, alertou na altura António Guterres, dirigente do ACNUR. Se em 2013 se assistiu a um “salto quântico no número de pessoas deslocadas à força”, em 2014 o salto foi maior; o número de deslocados e refugiados mortos no Mediterrâneo subiu para 3500 e para 219 mil o número de pessoas a tentar entrar na Europa, fugidas de guerras e repressões sangrentas.
Refugiados. De onde vêm e para onde vão
Numa tendência crescente, os números não param de aumentar e os que dizem respeito aos mortos e refugiados que procuram refúgio na Europa poderão ser ultrapassados até ao final do primeiro semestre de 2015: entre Janeiro e 15 de Abril, 35 mil pessoas já tinham chegado à Europa por via marítima e mais de 2 mil tinham perdido a vida. A este ritmo, avisava há uma semana a Organização Mundial das Migrações, o número de mortos no Mediterrâneo poderá ultrapassar os 30 mil até Dezembro.
Contas feitas, mais de 22 mil não europeus já morreram no Mediterrâneo entre 2000 e o início deste ano. E esse número é exclusivo das travessias por esse mar, seja pela rota central, que liga à Tunísia, à Líbia e ao Egipto, pela oriental, que liga ao Egipto, à Palestina, ao Iraque e à Síria, e pela ocidental, seja pela rota africana ocidental, que ajuda sobretudo sarauís e outros refugiados e deslocados do Oeste de África a chegarem às ilhas Canárias. Quando se junta a isto o número de pessoas que se refugiaram em países vizinhos fora da Europa, na sua maioria nações frágeis e sem capacidade para acolher as massas em fuga, os números são ainda piores.
“Vemos por exemplo no Iraque deslocamentos populacionais numa escala que supera a capacidade de resposta do país e da comunidade humanitária”, alertava em Setembro Kristalina Georgieva, comissária europeia para a Ajuda Humanitária, perante os avanços do autodeclarado Estado Islâmico na região.
Falhas da UE Desde a última tragédia no Mediterrâneo, em que a morte 900 pessoas fez relançar o debate sobre as falhas que têm sido cometidas e como se pode dar respostas humanitárias e humanas a estes êxodos, a União Europeia tem tentado concertar uma solução para não deixar às costas de Itália, Malta, Grécia e Chipre – as portas de entrada marítimas na Europa – a responsabilidade de alojar as milhares de pessoas em fuga. Parece faltar sensibilidade, dentro e fora das instituições europeias, para entender que estas pessoas não são sequer migrantes, que quem entra em botes lotados de gente só o faz por não ter alternativa.
Há uma semana, o Conselho Europeu anunciou que vai “tornar prioritário destruir os navios nos portos de origem dos migrantes e reforçar as missões de patrulha do Mediterrâneo e de outras passagens marítimas”. Propostas totalmente contrárias ao que organizações como a ONU e a Amnistia Internacional pedem, que seja prioritário salvar pessoas e ajudar deslocados e refugiados.
Depois de os líderes políticos europeus apresentarem esse plano de acção, o Parlamento Europeu declarou na quarta-feira que deve ser estabelecida uma “quota vinculativa” para distribuir os requerentes de asilo entre todos os países da UE. Em parte porque muitos estados-membros, onde os discursos anti-imigração se têm generalizado, se recusam a acolhê-los. Em 2014, a Alemanha liderou a lista de países que mais vistos de asilo atribuíram, a 173 mil pessoas – seguida da Suécia (75 mil), de Itália (63 mil), França (59 mil) e Hungria (41 mil). Portugal tem acolhido uma média de 30 pessoas por ano.
Os eurodeputados exigiram que a UE faça “todos os esforços possíveis para impedir que mais vidas se percam” no cemitério marítimo do Mediterrâneo, incluindo através da extensão da operação Tritão, a cargo da Frontex, em marcha desde Novembro. Depois da reunião extraordinária do Conselho, os líderes tinham decidido aumentar os fundos para essa operação e para a Poseidon, afectas às fronteiras marítimas da Europa no Mediterrâneo Central e no Egeu respectivamente. Mas, referiu o eurodeputado português Carlos Coelho no plenário de quarta, isso não basta.
A Frontex, a agência de patrulha das fronteiras externas da UE, não tem cumprido o seu mandato, que define que o principal objectivo é salvar pessoas. O social-democrata critica que a operação Mare Nostrum, em marcha entre Outubro de 2013 e de 2014, tenha tido mais fundos para actuar que as actuais missões comunitárias da Frontex. Durante um ano, Itália alocou 9 milhões de euros por mês a essas patrulhas e conseguiu impedir que cerca de 150 mil pessoas morressem afogadas. Até agora a Tritão tem apenas 2,9 milhões de euros mensais.