Brunch palaciano. O trabalho  dos bastidores não  se vê, prova-se

Brunch palaciano. O trabalho dos bastidores não se vê, prova-se


Entrar no brunch do Pestana Palace, em Lisboa, é dar de caras com um serviço esmerado, pratos confeccionados ao pormenor e uma calma palaciana sugerida pelo hotel/monumento nacional. Mas ninguém vê, nem deve ver, o que se faz no backstage. Os homens e mulheres que trabalham para que tudo esteja perfeito. 


Antes de fatiar uma peça de salmão cru, Pedro Inglês Marques molha a ponta da faca na água e a seguir levanta-a de forma que a gota corra o fio. Um pormenor. Entre muitos.

Às sete da manhã, este domingo, dia de brunch no Palácio Valle-Flôr, já o chefe executivo Pedro Inglês Marques estava no seu posto. De avental preto e jaleca branca, com o seu nome e o logótipo do palácio debruado a ouro, junta as 22 pessoas que o vão acompanhar na confecção e na elaboração das entradas, pratos e sobremesas.

Por trás de uma porta quase imperceptível no rés-do-chão do palácio, entra-se num corredor, estreito, que dá acesso à cozinha velha do edifício, com uma enorme mesa de mármore, paredes decoradas e um velho fogão a lenha transformado para gás, “que funciona perfeitamente”, garante o chefe. Ocorredor continua e, no final, o mundo é diferente.

No escritório de Pedro Marques estão planos de compras, escalas de pessoal, controladores de temperatura e papéis. A janela sob a cozinha principal dá uma imagem ainda familiar:uma série de ilhas de cor prateada, ladeada de bancadas, fogões e outras máquinas. A partir daqui, nada é como dantes: o corrupio é quase alucinante. “Sim, chefe!” é a expressão que mais se ouve na cozinha.Mas não se confunda com qualquer tipo de subserviência. É mesmo necessário que o chefe perceba que o ajudante recebeu o pedido.

Pedro Marques não se limita a coordenar, põe a mão na massa tanto ou mais que os seus ajudantes. “Éuma mania que eu tenho, não sou chefe de escritório.” Os ajudantes confirmam com a cabeça. Enquanto Pedro Marques verifica com a sonda se o carré de porco preto está nos ideais 55, 56 graus, o subchefe José Antunes prepara uma salada Waldorf tropical e Pedro Cruz, o auto-intitulado “sushi kid”, vai preparando o petisco japonês. Todos têm uma tarefa atribuída e ninguém se atropela. Nem mesmo o chão escorregadio causa acidentes.

Num dos frigoríficos – há T0 mais pequenos –, alguém tira legumes; na copa “grossa” lavavam-se tachos, na copa fina a comida já está empratada, na pastelaria, o chef patissier Francisco Pavia prepara os últimos eclairs, os minipastéis de nata e alguns marjolaine e ópera de chocolate. De um dos fornos saem tabuleiros de folhados de maçã, croissants estaladiços e pães com chouriço. Pequenos pães com sementes tostam numa torradeira, antes de abraçar os mini-hamburgers que fazem parte do menu infantil. Não há tempo para conversas. O chefe executivo garante a eficiência. “Sou duro. Imprimo rigor e disciplina, mas tenho uma boa relação com todos eles.” Os relatos dos chefes irascíveis, violentos, “são coisa do passado”, refere Pedro. 

Ainda na cozinha, Pedro Marques passa pelos ovos escalfados e não gosta de dois. Pára e explica como se faz para ficarem perfeitos. A ajudante, Cláudia Pereira, ouve com atenção antes de fazer mais uns quantos quilómetros de cozinha. Para trás e para a frente. 

Em cima, no primeiro andar, ainda decorre o pequeno-almoço com pedidos a chegarem pelo telefone ou de viva voz. E há o room service, o almoço à carta, o jantar, e por vezes banquetes a decorrerem ao mesmo tempo. Como se coordena tudo isto não se deslinda numa manhã.

Por volta das 11 horas, o último hóspede abandona a sala dos pequenos-almoços. Se na cozinha a azáfama continua, o ritmo não é menor no primeiro andar. Recolhem-se os pratos, a comida, altera-se a disposição dos móveis, as mesas são postas, o “Live Sushi Station” fica atrás da janela, enquanto uma empregada de limpeza aspira todas as cadeiras e tapetes. 

O subchefe José Antunes explica aos ajudantes a sequência dos pratos em cima de uma grande mesa redonda: “De um lado os simples, do outro os complexos, atenção aos molhos junto às saladas, o queijo entre os dois conjuntos…”

O chefe de sala chama os empregados: num pequeno briefing, recorda quem foi nomeado chefe de turno e commis (ajudante). “Hoje vamos ter 90 pessoas. O chefe de turno não sai da sala, recebe os clientes com um sorriso, não se esqueçam do ‘bem-vindos’.” 

Em baixo o ritmo ainda tem margem para aumentar. Ocarré de porco já saiu do forno “Rational”, o Rolls Royce dos fornos, com um preço para cima dos 20 mil euros. Os pratos de sushi e sashimi estão quase prontos. Num prato de madeira vão os prensados de espadarte e salmão, ambos fumados com cerejeira no próprio hotel. 

Pelo menos dois cartazes nos corredores internos anunciam que há um inspector no hotel. Ninguém sabe quem é e costuma hospedar-se como um cliente normal. Apesar do secretismo, alguém sussurra na copa que deve ser um senhor de idade que está no 22. “É irrelevante”, assegura o chefe Pedro. “Damos sempre o nosso melhor.”

Passavam 30 minutos do meio-dia quando Pedro Polónio dava os primeiros acordes ao piano. O espectáculo ia começar. Entraram os primeiros clientes e sentaram-se calmamente. Nada lhes dizia o que se tinha passado e nunca saberiam o que ainda se passava nos bastidores do brunch palaciano.

Brunch aos domingos, das 12h30 às 16h. 35 euros por pessoa