Grécia. Negociações podem arrastar-se até Julho para desgastar o governo de Tsipras

Grécia. Negociações podem arrastar-se até Julho para desgastar o governo de Tsipras


Executivo já começou a ceder em algumas promessas eleitorais e está à espera que os credores reajam. 


Alguém tinha de ceder e, ao ser levado ao limite, o governo grego parece estar prestes a rever as suas metas, comprometendo promessas eleitorais para evitar a bancarrota do país. Uma nova sondagem mostra que mais de três quartos dos gregos preferem que Atenas aceite as condições que os credores oferecerem para manter a Grécia no euro. Contudo, e apesar de o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, admitir novas concessões e reformas em troca de financiamento a curto prazo, garante que isto não significa que o seu executivo tenha baixado os braços quanto ao esforço para pôr fim à austeridade.

Uma equipa ampliada de negociadores gregos está a dar tudo por tudo para selar um acordo com o chamado grupo de Bruxelas, que inclui representantes da zona euro, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE). Num sinal da importância crucial destas conversações, ambas as partes se comprometeram a não passar à imprensa qualquer informação sobre o que for discutido. Com o país em suspenso, Tsipras dispôs-se a intervir caso isso ajude a acelerar as coisas.

Na segunda-feira o líder grego tinha mostrado a sua determinação de ver a situação resolvida, remodelando a equipa de negociações e retirando o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, da liderança. No decurso das negociações da semana passada em Riga, na Letónia, os representantes da zona euro queixaram-se que Varoufakis se tinha tornado um obstáculo ao acordo, recusando-se a dar pormenores das reformas económicas que a Europa exige à Grécia antes de libertar novas tranches do fundo de emergência, que ascendem a 7,2 mil milhões de euros. Cumpre agora a Euclides Tsakalotos desanuviar o ambiente, com o seu tom mais cordato e perfil discreto, em claro contraste com o tom abrasivo e o perfil hipermediático do ministro das Finanças.

Num esforço para mostrar que o governo leva a sério o compromisso de transparência e de facultar aos credores acesso à informação, uma outra equipa foi criada para facilitar a colecta de dados por parte dos funcionários da UE e do FMI na capital grega. Mas se a medida retirou Varoufakis do palco das negociações, Tsipras não deixou de o defender, e de se referir ao ambiente de hostilidade que se gerou como uma tentativa de desmoralizar a equipa grega. “Há um clima hostil mas penso que isto faz parte do jogo de negociação. Este jogo passa por desconstruir a pessoa que se senta do outro lado da mesa.”

Atenas conta alcançar um acordo provisório na esperança de que isso leve o BCE a aliviar as restrições a nível da liquidez dos bancos antes que se vença a obrigação de pagar 750 milhões de euros ao FMI no próximo dia 12 de Maio. Até há uns dias, Tsipras recusara sempre ceder terreno nas suas “linhas vermelhas”, ou seja, no que afecte as pensões, a reforma das leis do trabalho e a venda de activos estatais – os valores essenciais do programa eleitoral que levou o seu partido de esquerda ao governo.

Após uma reunião preparatória da equipa de negociadores grega na quarta-feira, um alto responsável do governo disse à Reuters que Atenas está disposta a vender a sua participação maioritária nos dois maiores portos marítimos, a aumentar a taxa do IVA e a mexer em algumas das pensões de reforma. Contudo, o gabinete de Tsipras emitiu no dia seguinte um comunicado em que tranquilizava a linha dura do Syriza, negando que tenha havido qualquer recuo da parte do executivo. “O governo continua comprometido com as suas linhas vermelhas. O mandato popular não lhe confere margem para negociar um acordo que as ponha em causa e por isso não o fará”, disse sob anonimato um assessor do líder grego.

Afundado nos ratings Entre a espada e a parede, Atenas viu a pressão aumentar depois de a agência Moody’s a afundar mais ainda o rating da Grécia na quarta--feira, assinalando nesse dia os temores de que não seja alcançado um compromisso satisfatório para os credores. No dia seguinte, um representante da zona euro adiantava à americana CNBC que o optimismo de Tsipras de que este domingo o nó sobre o pescoço do país venha a afrouxar não passa disso mesmo: optimismo. 

“Os rumores que dão como certo um acordo para domingo não são realistas”, disse a fonte, que também não quis ser identificada. Acrescentou que a remodelação da equipa de negociadores grega facilitou o progresso nas conversações mas que o principal impedimento se mantém, uma vez que do ponto de vista do grupo de Bruxelas continua a faltar substância nas reformas que propôs. “Estamos muito satisfeitos com a evolução a que estamos a assistir, mas o progresso para já ocorreu a nível apenas processual e não a nível da substância.”

De acordo com a fonte da Reuters, o governo grego admite alterar a taxa de IVA sobre todos os bens e serviços, excepto medicamentos, alimentos e livros, e poderá cortar os pagamentos complementares das pensões mais baixas, mas insiste em não afectar os pensionistas que recebam menos de 300 euros por mês. A medida do “13.o mês” tem sido atacada por alguns ministros das Finanças da zona euro em cujos países o programa de segurança social é menos generoso e que mesmo assim estão a emprestar dinheiro à Grécia. Outro ponto em que há desacordo prende-se com a promessa eleitoral do Syriza de aumentar o salário mínimo. Atenas admite mais uma vez recuar mas não sem antes consultar a OCDE e a Organização Internacional do Trabalho.

As cedências do governo de Tsipras acompanham os sinais de recuperação económica na zona euro, sinais que indicam que, se Atenas falhar os pagamentos e for obrigada a abandonar a moeda comum, isso poderá ter um impacto menor sobre o resto da união monetária que o inicialmente previsto a última vez que o país esteve à beira da falência, em 2012.

Enquanto os títulos da dívida pública grega a dois anos escalaram para 30%, outros países periféricos como Portugal e Espanha, se estão longe de ter superado a crise, viram os juros sobre a sua dívida descer para níveis recorde na sequência do plano de compra de títulos do BCE. Se a economia portuguesa só se reanima timidamente, a espanhola cresceu ao ritmo mais rápido nos primeiros três meses deste ano. No entanto, alguns analistas contestam a ideia de que a saída grega possa ter um efeito pacífico nos mercados, e no seu relatório a Moody’s diz que esse cenário poderá espoletar consequências negativas a longo prazo. “O impacto de uma saída da Grécia não pode ser subestimado”, avisou Alistor Wilson, o director da agência para as questões de crise global das dívidas soberanas, adiantando que, se o impacto directo pode ser limitado, uma saída pode vir a afectar a confiança e perturbar os mercados da dívida.

Desde 2010 a Grécia foi alvo de dois programas de assistência financeira num valor global de 240 mil milhões de euros. Mais do que não conseguir cumprir o pagamento ao FMI que se vence já no próximo dia 12, sem a próxima tranche o mais dramático é não conseguir pagar os salários aos funcionários públicos e as pensões aos reformados.

O risco imediato de falhar os pagamentos ao FMI (cerca de mil milhões em Maio) e ao BCE (7 mil milhões entre Julho e Agosto) pode, no entanto, não significar o fim do programa de assistência ou conduzir à saída do euro. Nesse aspecto as outras três grandes agências de rating – Standard and Poor’s (S&P), Fitch e DBRS – estão de acordo: se a Grécia falhar o pagamento irão baixar mais ainda a sua cotação, mas isso não significará a bancarrota. “Se a Grécia, por qualquer motivo, não for capaz de pagar ao FMI ou ao BCE, isso não constituirá uma situação de default segundo os nossos critérios, uma vez que se trata de dívida do sector público”, disse Frank Gill, responsável pelo rating da Grécia na S&P. Os seus colegas das outras agências secundam esta posição.

No passado, durante a enorme reestruturação da dívida grega em 2012, só quando as quatro principais agências declararam que Atenas tinha falhado com as suas obrigações é que o BCE deixou de aceitar os títulos da dívida grega como garantia para lhe dar acesso à linha de emergência de liquidez. Assim, a corda no pescoço das autoridades gregas pode ficar como está mais alguns meses, arrastando e desgastando o governo de Tsipras até estar finalmente convencido de que não tem escolha senão acatar as reformas impostas pelos credores.

Na quinta-feira, o líder grego ameaçou levar a referendo estas reformas se os credores não ficarem satisfeitos com as cedências que está disposto a fazer. Em resposta, o líder dos ministros das Finanças da zona euro, Jeroen Dijsselbloem, lembrou que o país não tinha tempo nem dinheiro para levar a cabo uma consulta popular, que só serviria para destabilizar mais a situação económica grega.

Naquela que foi a sua primeira grande entrevista televisiva desde que foi eleito, em Janeiro, Tsipras mostrou-se confiante de que um acordo com os credores será alcançado até 9 de Maio, desdramatizando as notícias que dão como iminente a bancarrota e sublinhando que a prioridade do seu governo é assegurar os salários e as pensões.