A comitiva chegou há cinco minutos ao Palácio da Pena, em Sintra, e os plano já mudaram. Afinal a visita guiada terá de ser feita em dois grupos e não apenas num, como estava planeado. Os seguranças reorganizam–se em menos de nada e sem que ninguém dê pela conversa.
Também ninguém se atrapalhou meia hora antes, quando, no caminho para o palácio, foi preciso mudar de trajecto por causa de uma manifestação inesperada à porta da biblioteca municipal, mesmo no centro da vila. “O nosso trabalho é isto, improviso constante. E olhe que ninguém bate a segurança portuguesa na arte de improvisar”, observa um dos elementos do Corpo de Segurança Pessoal (CSP) destacados para o serviço, vestido de fato escuro e gravata debaixo do sol de Sintra.
Por esta altura, a meio da tarde, a maior parte dos altos quadros da União Europeia que estão de visita ao monumento já tiraram as gravatas. Trouxeram as mulheres e alguns ainda conseguiram passar no hotel para calçar uns ténis ou vestir calças de ganga. No Palácio da Pena, repleto de turistas, ninguém se apercebe da presença da comitiva VIP, seguida de perto por seguranças. O grupo confunde-se com qualquer dos outros e os elementos do CSPmal se notam. Os polícias não falam, limitam-se a acompanhar a visita guiada. Enquanto as “entidades” – é assim os seguranças chamam às pessoas que protegem – se entretêm com o sol e as vistas das varandas do palácio ou as explicações empoladas sobre a história da corte portuguesa, os polícias vão mantendo o contacto uns com os outros, de forma discreta, por telemóvel ou via rádio. Apesar de invisíveis, varrem com olhos as salas e os corredores do monumento e posicionam-se em sítios-chave, de maneira a não importunarem as fotografias ou a serem um empecilho às vistas à serra de Sintra.
A visita não os entusiasma, até porque são presença habitual no Palácio da Pena e já conhecem de cor as explicações dos guias. “Quase todas as entidades estrangeiras vêm aqui passear”, conta o chefe P., que faz parte da elite de seguranças da PSP há cinco anos. Mas hoje é preciso atenção redobrada porque a visita é “atípica”: por norma o passeio é feito só com uma entidade. “É raro termos de fazer isto em grupo e o controlo torna-se mais difícil.” Sendo uma visita de lazer, os seguranças não podem impedir os elementos da comitiva de se dispersarem. E têm de ser pacientes quando um ou outro VIP decide ficar para trás, entretido com a explicação de algum painel ou simplesmente a fazer fotografias que nunca mais acabam.
Mais que paciência, é preciso concentração. E nem quando um dos elementos do grupo pergunta ao guia por que razão o rei de Portugal não vive no palácio o segurança muda de feição e despe o ar sério. “Não somos treinados para ouvir conversas”, justifica o chefe P. A meio do percurso, o segurança confidencia que está acordado desde as seis da manhã. Ninguém diria: não parece cansado. “Não sei a que horas poderei ir dormir, nunca sabemos quando as entidades querem ir para o hotel descansar e não é propriamente uma coisa que possamos perguntar, não é?” O pior da carreira no CSP é a imprevisibilidade permanente de horários. Assim que recebe ordens para guardar uma determinada entidade, o polícia deixa de existir e de ter vontade própria.
o meeting secreto A visita cultural ao Palácio da Pena foi a segunda parte de um evento que juntou em Portugal um grupo de 32 altos quadros da União Europeia. A visita-relâmpago durou menos de 24 horas e foi mantida em segredo. A reunião aconteceu de manhã, no Centro Cultural de Belém (CCB). As entidades só chegaram pouco depois das 8h30, mas muito antes já havia movimento nas instalações. Ainda de madrugada, a sala onde decorreu o encontro foi varrida por homens do SIS – que garantiram não haver escutas plantadas. A PSP entrou em cena logo a seguir, com o grupo cinotécnico (cães) e os homens da detecção e inactivação de engenhos explosivos.
Às 7h30 a sala foi considerada segura, selada e entregue aos homens do Corpo de Segurança Pessoal – que até à chegada das entidades não descolarem da porta. O chefe P. e outros quatro colegas ficaram com a missão de garantir que ninguém mais voltaria a entrar no espaço. Enquanto isso, outros elementos do CSPfaziam trabalho no terreno: começaram por ir buscar a comitiva aos hotéis onde pernoitaram – o Jerónimos 8, o Vila Galé Ópera e o Altis Belém.
À chegada ao CCB foi preciso fazer o “desembarque” – assegurar a segurança das entidades entre a saída das viaturas e de um minibus e a entrada no edifício. Depois de uma fotografia de grupo, os VIP trancaram-se a sete chaves na sala, com direito a uma só paragem para o café, a meio da manhã. Enquanto isso, os seguranças desdobravam-se em contactos para garantir a segurança dos momentos seguintes do programa: o almoço, ainda no CCB, e a viagem a Sintra.
No final da visita guiada ao Palácio da Pena, o chefe P. continua sem saber a que horas estará despachado do serviço. Antes de as entidades recolherem aos hotéis – algumas regressariam aos respectivos países ao final do dia e ainda teriam de ser acompanhadas ao aeroporto –, decidiram parar no meio de Sintra para comprar souvenirs e travesseiros. Vinte minutos da praxe em que foi necessária a colaboração da GNR, que garante a segurança da zona envolvente.
Só às 19h50 é que o chefe P. pôde finalmente comunicar à central da Unidade Especial de Polícia (UEP) que deixara o grupo no hotel. O serviço terminaria 20 minutos depois, à chegada à casa-mãe da unidade, em Belas, com 14h de trabalho em cima. “É só mais um dia de trabalho”, diz, já sem o fato e a gravata.