Peter Dinklage. 135 centímetros, o tamanho que importa

Peter Dinklage. 135 centímetros, o tamanho que importa


É impossível não dar pelo actor, o carismático Tyrion Lannister de “A Guerra dos Tronos”. 


Já foi capa da “Rolling Stone”e da “Esquire”, que o distinguiu na secção de estilo, sem precisar de se pôr em bicos dos pés.

Evidência gigantesca: é preciso um anão para fazer de anão. Em 1995, Tom DiCillo rodava “Um Realizador em Apuros”, Steve Buscemi era a estrela da companhia nesse tributo aos filmes independentes de baixo orçamento e Peter Dinklage, bom, Peter Dinklage era o anão, o anão frustrado que se queixa de só conseguir papéis para fazer de anão. 

Em 2015, Dinklage continua a ser o anão, mas o cliché é outro: todos querem o actor que dá vida a Tyrion Lannister na saga “A Guerra dos Tronos”, de tal forma que um editor polaco, Grzegorz Grabowiec, se deu ao trabalho de fazer uma montagem baseada na série, contando a história dos sete reinos segundo a perspectiva exclusiva da personagem que, ao episódio 8 da temporada 3 (cuidado, possível spoiler), se casa com Sansa. A secção de lifestyle do diário francês “Le Figaro” aproveitou esse momento na ficção para sugerir aos leitores uma receita inspirada na mesa da boda: uma tarte de queijo e cebola – um prato que poderia ser servido na vida real a Dinklage, vegetariano desde os 16 anos, uma tendência quase tão em voga quanto ele. 

Está desde 2011 no elenco do sucesso da HBO, quando venceu o Globo de Ouro para melhor actor secundário, somou nomeações nos Emmy e, na edição de Março de 2014, a revista “Esquire”, que lhe deu honras de capa, não hesitou na chamada: “Todos querem um bocado de Peter Dinklage e ele tem muito para dar.” Mas ontem como hoje, o glamour não chega para disfarçar outra evidência gigantesca: ser anão é ainda mais difícil que desempenhar esse papel no ecrã. 

Naquela cerimónia dos prémios, Peter usou o tempo de antena para os agradecimentos da praxe, mas não só. “Quero mencionar um cavalheiro em Inglaterra de que me tenho lembrado. O seu nome é Martin Henderson. Vão ao Google.” As buscas rapidamente conduziram os mais curiosos à identidade de um homem que, poucos dias antes, lançara um anão em Somerset, brutalidade que não passou despercebida ao natural de New Jersey com ascendência inglesa, alemã e irlandesa, filho de um vendedor de seguros e de uma professora, que conseguiu o seu papel de maior destaque em 2003, em “A Estação”, depois de uma carreira oscilante. Seguiram-se títulos como “O Encalhado” (2006), enquanto organizador de casamentos; a participação nas séries “Find me Guilty”, “Nip/Tuck” e “30 Rock”; o filme “Morte num Funeral” ou “As Crónicas de Nárnia”. Em 2008 subiu ao palco na pele do Tio Vânia, sob direcção da também actriz Erica Schmidt, a mulher com quem se casou e tem uma filha, a pequena Zelig. 

A probabilidade do sucesso meteorítico era tão reduzida como a de Peter ter nascido com acondrosoplasia, distúrbio genético responsável por anomalias na formação óssea, com um caso a cada 25 mil. Peter, o único anão da família, acusou a diferença na escola de orientação católica Delbarton. “Não me enquadrava”, admitiu à “Esquire” o actor que se apaixonou pela representação graças à colecção de VHS de um padre excêntrico, e reconheceu ter passado por uma adolescência atormentada. Rebelde, chegou a tocar numa banda punk, os Whizzy, cujas andanças em palco resultaram numa cicatriz de guerra, visível do pescoço à sobrancelha.

Sempre a bater o pé, arriscou recusar todo o tipo de castings para papéis de duende e criaturas congéneres, conciliando a intransigência com o sorriso, a melhor forma de vencer o preconceito. “À medida que envelheces, percebes que tens de ter sentido de humor. O problema não é teu, é deles.” Quando desafiado a alinhar nas aventuras criadas por George R. R. Martin, reimpôs a condição de não aparecer com sapatos pontiagudos e outros floreados normalmente associados aos seus 135 centímetros de altura. Assim foi. Tyrion ganhou vida como um mulherengo inclinado à bebida, e Peter granjeou um protagonismo que não gira apenas em redor do seu tamanho e que conferiu dignidade a uma missão reduzida, na maioria dos casos, ao vulgar entretenimento.

Em 2016, depois de dar voz a mais do que um filme de animação, chegará ao grande ecrã com Christian Bale e Rosamund Pike em “The Deep Blue Good-By”, de James Mangold.

Lembra-se de escrevermos que é preciso um anão para fazer de anão? Esqueça. Em 2003, no filme “Tiptoes”, Dinklage figurou ao lado de Gary Oldman, que então fazia de anão. “Tenho as minhas opiniões sobre o que é politicamente correcto ou não, mas depois pensei: é o Gary Oldman, pode fazer o que quiser.” Sobra apenas a outra evidência gigantesca: o sentido de humor.