BES. Relatório final da comissão  de inquérito deverá ser ainda mais crítico

BES. Relatório final da comissão de inquérito deverá ser ainda mais crítico


Versão final do documento é discutida e votada esta quarta-feira, encerrando os trabalhos da comissão


A versão preliminar do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão do BES e do GES não deixou ninguém impune. No entanto, a versão final que hoje será discutida e votada pelos deputados da comissão deverá ser ainda mais dura. A redacção do documento foi da responsabilidade do deputado social–democrata Pedro Saraiva e, pelo menos numa primeira fase, acolheu bastantes elogios de todo o espectro partidário.

Mas há alterações a fazer. O Partido Comunista, por exemplo, vai propor que sejam acrescentadas mais recomendações – que se somarão às 66 que já constam do documento preliminar – como, por exemplo, o controlo público da banca. Fonte do partido revelou ao i que espera ainda que o documento aborde a “natureza sistémica das crises bancárias” e que seja feita uma contextualização destas crises no conjunto em que se inserem actualmente. O PCP nota que é preciso olhar para o conjunto de problemas identificados no BPN, no BPP, no Banif e no BCP, rejeitando uma visão do colapso do BES como um caso isolado.

Esta é uma alteração ao relatório que o Bloco de Esquerda também vai pedir. Segundo o documento a que o i teve acesso, o partido representado por Mariana Mortágua nesta CPI quer que seja acrescentado ao documento, no capítulo em que se fala do papel da intervenção do Banco de Portugal e das dificuldades que o supervisor disse ter encontrado: “Estas dificuldades tinham sido já identificadas ao nível da intervenção nos casos do BPN e BPP, tendo, apesar disso, persistido.”

O Bloco vai pedir, aliás, vários aditamentos ao documento. Um deles é a inserção do parecer jurídico que a CMVM enviou à comissão, a meio deste mês, sobre a quem pertencerão as responsabilidades do reembolso do papel comercial. O regulador do mercado de capitais reforçou a sua posição de que as responsabilidades terão transitado para o Novo Banco, contrariamente ao que tem sido defendido pelo Banco de Portugal. Ainda sobre este assunto, o BE quer que constem do documento algumas respostas que foram dadas pelo Banco de Portugal a clientes que contactaram directamente o supervisor. É que, em alguns emails enviados pelo Banco de Portugal, o supervisor assumiu que “compete ao Novo Banco decidir sobre o reembolso do papel comercial do GES”, uma posição que contradiz a que Carlos Costa tem defendido oficialmente. Ainda sobre a actuação do Banco de Portugal, o Bloco nota que as recomendações do supervisor tiveram um carácter reactivo e salienta que ele nunca impediu que Salgado continuasse à frente dos destinos da instituição, factos que pretende que constem também do documento final.

O partido mais à esquerda pretende ainda que sejam inseridas no relatório as declarações de Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, em que o responsável garante que a parceria estratégica tripartida que a Caixa Geral de Depósitos mantinha com o Grupo Espírito Santo e a Portugal Telecom não se traduziu em benefícios para o banco de capitais públicos. O Bloco vai ainda pedir que sejam acrescentados os pormenores do caso das comissões dos submarinos, através das quais a ESCOM recebeu 30 milhões de euros. O BE quer os nomes dos potenciais beneficiários do dinheiro escritos preto no branco, e ainda que o facto de Ricardo Salgado ter recebido “liberalidades” de José Guilherme “configura, para além de um conflito de interesses, um acto de enriquecimento injustificado, incompatível com os deveres de idoneidade exigíveis a quem desempenha tais funções”.

O Bloco quer também que fique mais claro no documento que a teia complexa de empresas criada pelo GES era propositada e tinha como objectivo evitar que as actividades fossem rastreáveis. Quanto à actuação do governo, tanto o Bloco como o PCP querem que as responsabilidades do executivo sejam mais claras, com enfoque no facto de a ministra das Finanças saber que a alteração da legislação que permitiu aplicar a medida de resolução ao BES foi feita precisamente pela situação do banco. O PCP pretende ainda que seja elencada a origem dos problemas na privatização do BES, da seguradora Tranquilidade e da Portugal Telecom, enquanto o BE quer que sejam identificados os riscos que a resolução poderá acarretar, nomeadamente para os restantes bancos do sistema, no caso de o Novo Banco ser vendido por um valor inferior aos 4,9 mil milhões que lhe foram injectados. O i tentou também obter as propostas de alteração do PS, mas sem sucesso.

As principais  recomendações    

Reforço da transparência e da boa governação
•  Adopção de modelos de governação adequados, com reforço das funções de controlo interno e revisão do quadro de sanções aplicadas em casos de incumprimento dos modelos de governação vigentes, para que possuam um verdadeiro efeito dissuasor.
•  Intervenção do Banco de Portugal na selecção das entidades auditoras de uma determinada entidade bancária.
•  Rotatividade temporal obrigatória entre entidades auditoras.
•  Envolvimento das entidades reguladoras, com as suas próprias equipas de acompanhamento e inspecção permanente, nas passagens de testemunho entre entidades auditoras.
•  Imposição de total transparência, com identificação das transacções e seus beneficiários últimos sempre que entidades- -veículo, intermediários financeiros ou empresas offshore estejam envolvidos em movimentações financeiras efectuadas por instituições bancárias.

Conflitos de Interesses
•  Estabelecer perímetros de intervenção das entidades de supervisão bancária que permitam abarcar todas as partes relacionadas com as correspondentes instituições bancárias, particularmente quando se esteja na presença de conglomerados mistos.
•  Aplicação de fortes penalizações, claramente dissuasoras, sempre que sejam identificadas más práticas comerciais por parte de instituições bancárias.
•  Introdução de fortes limitações ou proibição da intervenção de instituições bancárias no se que refere a: i) créditos concedidos a accionistas de referência; ii) aquisição, por via directa ou indirecta, de acções próprias; iii) comercialização de títulos próprios.

Transparência e partilha de informação
•  Contribuição para uma redefinição, a nível internacional, dos conteúdos dos relatórios de auditoria externa, igualmente acompanhados de resumos simplificados, de modo a que possam ir para além de funções de natureza exclusivamente retrospectiva ou formal.
•  Definição, pelas entidades supervisoras, e de forma harmonizada, de conteúdos que devem constar de resumos simplificados, em linguagem que possa tornar a informação tão acessível quanto possível, e que devem acompanhar os diferentes tipos de documentos, como relatórios trimestrais, relatórios de contas, prospectos de aumento de capital social ou de venda de produtos financeiros.
•  Reforço da segregação, em termos de canais de venda e interlocutores, que separe a comercialização de produtos bancários tipificados, desprovidos de risco, face a produtos de investimento, títulos ou outros instrumentos financeiros com risco associado.