Sismo no Nepal. Ao terceiro dia não há abrigos, água potável, medicamentos ou electricidade

Sismo no Nepal. Ao terceiro dia não há abrigos, água potável, medicamentos ou electricidade


Balanço de vítimas deverá continuar a aumentar. Cientistas franceses tinham previsto o terramoto.


“Tornámo-nos refugiados. E ninguém do governo apareceu ainda a dar-nos sequer um copo de água”, descrevia ontem Sarga Dhaoubadel, uma aluna nepalesa de Gestão cujos antepassados construíram de raiz, há 400 anos, Bhaktapur, a cidade onde a sua família continua a viver e onde se localizou o epicentro do sismo de 7,8 graus de magnitude na escala de Richter que, no sábado, mergulhou o Nepal na devastação e no caos, bem como partes dos vizinhos Tibete, Índia, China e Paquistão.

Ao terceiro dia de operações de salvamento e resgate, a descrição de Dhaoubadel não é inédita nem exclusiva. Ao longo do dia, repórteres nepaleses e estrangeiros que estão a cobrir os efeitos do sismo na nação dos Himalaias citaram declarações semelhantes sobre a contínua falta de água potável, de abrigos para os sobreviventes, de electricidade e de medicamentos muito em falta para tratar as mais de 6500 pessoas que ficaram feridas. Até ao fecho desta edição nada mudou e o balanço provisório de mortos ultrapassava já os 4100, com tendência para subir.

Depois do mais devastador sismo a atingir o país em 80 anos, uma série de fortes réplicas e novos sismos foram sendo sentidos pela população ao longo do fim-de--semana e do dia de ontem. A maioria dos sobreviventes, que só em Catmandu, a capital, são dezenas de milhares, estão há três dias a dormir ao relento com receio de que essas réplicas façam desabar sobre as suas cabeças as partes das casas e dos edifícios que não ficaram destruídas à primeira. Segundo números avançados pela Al-Jazeera, cerca de 70% das infra-estruturas do país ficaram parcial ou totalmente destruídas.

A maior parte de Catmandu, como do resto do território, é composta por edificações mal-amanhadas, em bairros pobres, que não resistiram aos poderosos tremores de terra. Parte dos materiais de reconstrução que já chegaram à capital nepalesa, como tubos de esgotos, está ao abandono na cidade e a ser usada pelos sobreviventes como refúgio até que abrigos de raiz sejam criados para os acolher, citava ontem o “Nepal Times”.

A par disso é citada a falta de medicamentos e energia eléctrica, e os esforços descoordenados para começar a distribuir a ajuda internacional humanitária que já aterrou no aeroporto de Catmandu. As primeiras nações a responder às necessidades urgentes do Nepal foram as vizinhas Índia, China e Paquistão mas, desde sábado, vários outros países, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido, estão a fazer chegar dinheiro, alimentos e medicamentos para responder à crise humana que a fúria da natureza instalou na região. Só que, para já, pouca ou nenhuma ajuda está a ser distribuída. E os hospitais estão tão cheios e com tanta falta de pessoal que até o neurocirurgião Sanjay Gupta, que é comentador e repórter da CNN, está a operar sobreviventes.

“Ainda não chegámos a uma fase de pânico, mas estamos a aproximar-nos dela”, dizia ontem à “NBCNews” Philip Ewert, director de operações daWorld Vision. Até agora, referia ontem o britânico “Independent”, esta é a única ONG que já conseguiu chegar ao epicentro do sismo, na província de Gorkha, onde o número de mortos e feridos continua difícil de contabilizar ao certo. Udav Prashad Timalsina, dirigente do distrito, alertou ontem para a “terrível escassez” de bens de primeira necessidade no pós-desastre. “Há pessoas que não estão a obter comida nem refúgio. E tenho estado a receber informações de aldeias onde 70% das casas ficaram destruídas.”

“Há cada vez mais mortos e as pessoas precisam de acesso imediato a água segura, a instalações sanitárias adequadas e a assistência alimentar”, acrescentou a directora da Oxfam no Nepal, Cecilia Keizer. 

“Catmandu tem um aeroporto muito pequeno e, portanto, está a ser prioritário albergar aparelhos aéreos do exército que transportam pessoal para as operações de resgate e tentar fazer entrar funcionários de ONG”, disse o correspondente da Al-Jazeera depois de os primeiros aviões de carga do Paquistão e da Índia terem aterrado na capital nepalesa. “São os dois países na frente de combate, já que têm mais experiência com este tipo de catástrofes. Mas também já chegaram aviões da China, do Japão e do Sri Lanka.”

Avisos prévios Ontem, três dias depois do sismo que abalou o Nepal, a BBC avançou que uma equipa de cientistas franceses que passou os últimos meses em trabalhos de campo no país tinha antecipado que um sismo desta envergadura ia atingir em breve a nação construída no sopé do monte Evereste – onde pelo menos 17 montanhistas perderam a vida nas avalanchas provocadas pelo terramoto. 

Segundo o canal britânico, a equipa liderada por Laurent Bollinger, da Comissão para a Energia Atómica e Alternativas, um instituto de investigação com sede em Paris, tinha concluído há pouco tempo que estava iminente um sismo no mesmo local onde o abalo de sábado foi registado, com base nos registos históricos de tremores de terra no Nepal.

Os cientistas estiveram a analisar a principal falha tectónica do país, que atravessa o território ao longo de mil quilómetros, e perceberam que, regra geral, um grande terramoto gera outro anos mais tarde na mesma região. Foi o que aconteceu no sábado, na sequência do sismo de 1934, o último grande terramoto que atingiu o Nepal e que matou então 17 mil pessoas, gerando uma grande pressão no subsolo que, ao longo dos últimos 81 anos, se transferiu para a falha geológica que a equipa analisou. Essa pressão acabou por se libertar no sábado, provocando o sismo desta magnitude.

O estudo tinha sido apresentado há duas semanas na Sociedade Geológica do Nepal, onde a equipa de Bollinger avisou que, segundo as pesquisas, era provável que um sismo atingisse o país, já que o período de tempo que medeia grandes sismos ronda as oito décadas.

A acrescentar a isto, os cientistas do Instituto Norte-Americano de Geofísica (USGS), que estão a monitorizar o sismo de sábado, anunciaram ontem que, durante os próximos 30 dias, deverão ocorrer réplicas com uma magnitude superior a 5 graus na escala de Richter em várias partes do Nepal e dos países vizinhos. Até ao próximo domingo, o USGS prevê a ocorrência de três a 14 réplicas acima dos 5 graus, falando em 54% de probabilidades de se registarem novos sismos com seis ou mais graus, prevendo-se que 7% deles ultrapassem os 7 graus em Richter. Isto são más notícias para as operações de resgate que, ainda sem terem conseguido apurar o número total de mortos e feridos, poderão ver-se a braços com novas vítimas resultantes desses sismos.