No momento em que se comemoram 41 anos do pronunciamento militar que nos trouxe a liberdade de expressão, são também motivo para comemoração o 40º aniversário da independência dos vários países africanos, então colónias portuguesas ou províncias ultramarinas.
O Abril português cumpriu-se? Claro que sim! Na medida em que ninguém entre os que escrevem e falam o faria tão livremente como o faz se a ditadura não tivesse tido fim, na medida em que a autodeterminação das colónias nunca teria acontecido como aconteceu (independentemente das teorias de quem estava ou não a ganhar a guerra em cada uma delas). O Abril português cumpriu-se na íntegra? Claro que não! Enquanto a saudável utopia de Abril sobreviver, o Abril português, como todos os Abris do mundo, nunca se cumprirá totalmente. Enquanto houver um analfabeto, uma criança com fome, um homem sem emprego, uma saúde que não chega a todos, um fosso social difícil de entender, Abril nunca se cumprirá.
Abril não se cumpre externamente enquanto acontecerem Mediterrâneos e Lampedusas, Nigérias e Boko Harams, Quénias, Hutus e Tutsis, Ucrânias e Rússias e nada fizermos ou, porque o nosso clube de futebol ganhou, tudo esquecermos ao fim de uma semana. Enquanto não tivermos um “Charlie” sempre alerta em cada um de nós, e não apenas quando os jornalistas ecoam o nosso pranto, continuaremos a ter um abril, minúsculo. Enquanto o ego tão próprio dos portugueses continuar a gritar mais alto que a vontade de construir uma sociedade mais justa, continuaremos a ter fugas ao segredo de justiça, a ver advogados insultar jornalistas, jornalistas a escrever verdades convenientes para alguns amigos, políticos a mentir e a construir ilegitimamente futuros impensáveis e o povo, às vezes por revolta, outras vezes levado a tal por Marinhos e Pintos e Paulos Morais, a escrever e a falar, nas redes sociais, nas entrevistas, que as televisões fazem nas ruas e nos fóruns radiofónicos, de coisas que desconhece, tratando tudo e todos por igual, sejam jornalistas sérios, sejam políticos sérios, advogados e até magistrados sérios.
Abril cumpriu-se em grande parte. Ir-se-á cumprindo cada vez mais à medida que a democracia se for aprofundando. Os PALOP, que já ganharam, em parte, a liberdade de expressão, evoluíram de maneira diversa do ponto de vista económico, social e humano, mas evoluíram. Há muito para fazer? Com toda a certeza! Não se faz com os militares de Abril que querem ser donos da liberdade? Claro que não. A conquista da liberdade começou muitos anos antes da eclosão do movimento dos capitães e portanto, muito antes da degeneração de parte do mesmo em movimento de suporte ao PCP e à tentativa de implantar uma nova ditadura em Portugal. Homens que queriam levar portugueses para o Campo Pequeno ou que punham bombas matando os seus semelhantes não podem agora querer ser levados em ombros. Quem passou anos a fio entre cadeias a lutar pela liberdade não pode pactuar com esta vergonha.
Abril deve querer dizer liberdade! Fica uma homenagem aos homens e mulheres que de algum modo serviram as suas pátrias. Aos de Portugal que combateram clandestinamente a ditadura e sofreram na prisão esse serviço que nos prestaram, aos que, em África, no serviço militar, honraram a bandeira nacional, aos que eram colonos e nasceram nas terras de África, tendo-se visto envolvidos numa descolonização feita por gente com pressa de mostrar serviço às internacionais, e a todos aqueles que no rectângulo e nas regiões autónomas os acolheram, por vezes com sacrifício próprio e aos verdadeiros militares de Abril que impediram a ditadura comunista em Portugal. Aos homens de África fica a homenagem devida aos que lutaram pela libertação das suas terras e aos que honraram as suas bandeiras. Cá como lá, um voto de que aqueles que têm ou querem ter nas mãos os futuros dos seus povos os sirvam, para que nunca mais sejam necessários iguais Abris. Para nós, os cidadãos, fica o mais importante dos votos: que saibamos merecer e exercer a liberdade.
Empresário
Escreve à terça-feira