Mais de 80% dos militares da GNR admitem ter sentido “desalento e desânimo” devido ao excesso de trabalho e à relação com as chefias, quase 7% confessam já ter tentado pôr termo à vida e 15% ponderaram suicidar–se em algum momento da carreira. As conclusões são de um estudo apresentado recentemente na Batalha, no XIV Simpósio da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, e desenvolvido por duas psiquiatras do Hospital de Leiria.
Entre 3 de Fevereiro e 15 de Março, mais de 1100 militares responderam a um inquérito anónimo sobre prevenção do suicídio. As respostas, a que o i teve acesso, mostram que mais de metade (60%) dos guardas dizem ter tido conhecimento de um colega que tentou pôr termo à vida, enquanto a esmagadora maioria (87%) afirma ter conhecimento de pelo menos um militar que se suicidou. Não é difícil: entre 2000 e 2014, 60 militares da Guarda suicidaram–se, alguns no local de trabalho e quase todos com a arma de serviço.
O estudo, conduzido pelas médicas Susana Pinto Almeida e Sofia Fonseca, revela ainda que quase metade dos guardas (42%) admitem já ter pensado em procurar ajuda psicológica devido à profissão, enquanto 19% chegaram mesmo a fazê-lo. Mais de um quarto (27%) dos GNR já consultaram um psicólogo ou psiquiatra e a 13% foram diagnosticadas doenças ou perturbações psiquiátricas – na maioria dos casos depressão (68%) e ansiedade (11%). A percentagem de guardas que admitem ter tomado medicação para problemas como ansiedade, depressão ou insónias causadas pelo trabalho é bastante superior: 35%.
Os dados do inquérito permitem concluir, por outro lado, que sete em cada dez militares (69%) sentem que o trabalho os afecta psicologicamente. Os principais factores de perturbação são a carga horária (apontada por 20%), a relação com as chefias (16%) e a pressão (12%) e o stresse (9%) inerentes às funções policiais. “Aquilo que mais parece preocupar os militares da GNRnão são questões que resultem da actividade policial em si, mas factores externos e que não podem controlar, como a relação com os chefes ou o excesso de trabalho”, sublinha Susana Pinto Almeida.
a prevenção As médicas que conduziram o estudo recomendam a aplicação de medidas preventivas dentro da GNR, até porque 82% dos militares confessam já ter experimentado sentimentos de desalento, desesperança, desânimo ou frustração devido ao trabalho. “E sabe–se que a maior parte dos suicídios têm patologias psi-quiátricas associadas, nomeadamente a depressão”, recorda Susana Pinto Almeida.
O estudo conclui que 95% dos militares dizem não se sentir reconhecidos pela instituição para que trabalham e 91% garantem que a família sofre com a profissão que escolheram.
Por outro lado, e apesar de a GNR ter um serviço de psicologia, metade (47%) dos guardas dizem desconhecer que se precisarem de ajuda podem recorrer a esse gabinete. Por isso, as psiquiatras defendem que a Guarda deve “investir mais” na prevenção do suicídio (ver entrevista ao lado), nomeadamente através da criação de gabinetes de proximidade, maior articulação e encaminhamento de casos sinalizados para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a criação de uma avaliação psicológica anual. “Parece existir alguma falta de suporte psicológico e psiquiátrico, quando a prevenção é fundamental para travar este problema de saúde pública”, considera Susana Pinto Almeida.
A aposta na sensibilização para as doenças mentais é igualmente importante. Isto porque as forças de segurança estão identificadas como um grupo vulnerável ao suicídio, muito por uma questão de estigma. “As polícias, especialmente as mais musculadas e militarizadas, são predominantemente masculinas. Sabemos que as tentativas de suicídio são mais frequentes nas mulheres, mas são os homens quem se suicida mais. O homem tem maior dificuldade em reconhecer que precisa de ajuda e, se existe um estigma em relação ao homem deprimido, esse estigma é ainda maior em relação ao militar deprimido”, recorda a psiquiatra.
o medo de pedir ajuda O presidente da associação profissional mais representativa da GNR confirma que ainda existe na instituição um “grande embaraço” em procurar ajuda psicológica. “Há algum receio de represálias disciplinares e de expor falhas na execução profissional”, explica César Nogueira, acrescentando que ir ao psicólogo ou ao psiquiatra ainda é considerado “sinónimo de falta de apetência profissional e de fragilidade pessoal”.
E é precisamente por os casos não serem acompanhados atempadamente que alguns terminam em suicídio. A Associação dos Profissionais da Guarda (APG) recorda que, entre os 60 suicídios registados nos últimos 14 anos, muitos aconteceram em postos da GNR. “Isto pode ser interpretado como sendo simbólico”, acredita César Nogueira. O presidente da APG sublinha que as conclusões do estudo sugerem a existência de uma relação entre sentimentos depressivos e o exercício da profissão. Algo que, avisa, “merece a atenção do comando-geral da GNR”.
César Nogueira defende, por outro lado, uma cultura de maior abertura e apoio aos militares que experimentam sintomas de desânimo ou depressão: “As hierarquias têm de deixar de assumir um papel punitivo e passar a abrir as portas a que os profissionais recorram a ajuda e sejam eficazmente encaminhados para um profissional de saúde.” O i pediu à GNR que comentasse o estudo, mas não recebeu uma resposta até ao fecho desta edição.