Há tropas na rua, anda ouvir o rádio.” Às 9 da manhã deixámos o carro na Avenida e seguimos a pé até ao rio. Às 9h30 já não tínhamos dúvidas, era mesmo para cair. E caiu de vez. Que festa!
Viver o 25 de Abril aos 17 anos, criado numa casa de liberdade e republicanas tradições, fórum de tantas tertúlias e conspiratas, que serviu até como esconderijo de passagem a alguns resistentes, foi naturalmente a explosão mais forte de toda a minha vida. Pela evidente surpresa do dia, apesar de a ditadura já só sobreviver algaliada. Por ser o fim de uma desgraça ignominiosa de 48 anos, assente no índex, na bota e na escuridão. Por ser o primeiro dia da liberdade, e adivinhando o fim da guerra. E também (hélas!) por virem à luz as utopias, os “amanhãs que cantam”, como então acreditava eu. O “dia inicial, inteiro e limpo”, tal como o vivi e recordo, minuto a minuto, foi mesmo assim, inteiro e limpo.
Sem mácula. Desse dia nunca saberei guardar qualquer distanciação crítica, porque me pertence, e porque cresci entre duas gerações a sonhá-lo todos os dias.
Quarenta e um anos depois, passe o lugar-comum, é claro que valeu a pena! No mínimo descobriu-se um país que andava escondido, fugidio, tristonho, e que agora se apresenta tal como é, todos os dias, com todos os seus defeitos, e com algumas das suas virtudes recuperadas. Nem todas ainda, porque a história não começou a 25 de Abril de 1974 e há chagas bem antigas e difíceis de sarar.
Mas hoje é liberdade e eu vou para a Avenida da Liberdade. Sempre.
Historiador. Escreve ao sábado