Não deixa ser irónico que no 41.o aniversário do 25 de Abril os principais partidos quisessem regressar ao tempo do lápis azul e do visto prévio, mas, como se calculava, PSD, PS e CDS ganharam juízo e vão meter parte da nova lei de acompanhamento das campanhas eleitorais na gaveta após uma ameaça de boicote da comunicação social às eleições. Era inevitável.
A principal razão da polémica, a criação de uma comissão de visto prévio para avaliar e decidir os planos de cobertura jornalística da campanha eleitoral, parece ter caído definitivamente. Mas persistem outros problemas – que não são menos polémicos. Vários exemplos: só pode haver debates televisivos entre os candidatos dos partidos com assento parlamentar, o tratamento de todas as candidaturas terá de ser feito em condições de igualdade (existindo o princípio de que a “idêntica importância” deve corresponder um “relevo jornalístico semelhante”) e formatos de opinião, de análise política ou de “criação jornalística” não podem exceder o espaço dedicado aos formatos noticiosos e de reportagem.
Eis várias perguntas simples sobre estas fantásticas ideias dos deputados Inês Medeiros (PS), Carlos Abreu Amorim (PSD) e Telmo Correia. Será que os eleitores ficam mais esclarecidos com debates a dois ou a cinco (ou a dez)? Quais sãos os critérios para avaliar o que “tem idêntica importância” e o que deve ter “relevo jornalístico semelhante”? Ou melhor, como é possível ter critérios objectivos para avaliações que são subjectivas por natureza? Porque razão quer o Estado fiscalizar o número de caracteres de peças e géneros jornalísticos?
Todas as propostas são ridículas e, a serem aprovadas, poriam Portugal ao nível da Hungria de Viktor Orban e no radar das organizações europeias e mundiais que zelam pela liberdade de imprensa. É por isso essencial que todas elas sejam retiradas da proposta final que será apresentada na próxima semana.
A relação da classe política com a comunicação social é – e será sempre – conflituosa. Os políticos tentarão sempre condicionar. Os jornalistas tentarão sempre libertar-se de qualquer espécie de espartilho que os políticos queiram criar. Isso é normal porque é da natureza do sistema democrático, desde que certos limites sejam respeitados – o que não acontece com a proposta do PSD, do PS e do CDS que foi conhecida.
A mesma também mostra a tentação dos nossos políticos de tudo regular. É verdadeiramente impressionante como Portugal (e a Europa) tenta regular e legislar todos e quaisquer aspectos das nossas vidas, criando permanentemente e de forma contínua novas regras, novas leis, burocratizando, complicando. Esta proposta de lei é mais um desses exemplos, transmitindo a obsessão pelo número de caracteres de uma notícia ou de um artigo de opinião uma pequena sensação de déjà vu totalitarista.
Há uma última questão. Esta proposta revela que a nossa jovem democracia ainda não consegue lidar com uma comunicação social livre – e entenda-se a palavra “livre” na sua verdadeira acepção. Os media existem para esclarecer a opinião pública, para dar informação aos eleitores de forma que estes formem opinião sobre os seus representantes no poder executivo e legislativo – é essa a sua razão de existência. Mas só podem existir num contexto de diversidade. Isto é, não podem ser iguais. É a partir do pluralismo das diferentes correntes de opinião da comunicação social (uns mais à esquerda, outros mais ao centro e outros ainda mais à direita) que os cidadãos são esclarecidos – não é a partir de uma igualdade absoluta e totalitária. Não perceber isto é não perceber o que é uma democracia. Quarenta e um anos após o 25 de Abril temos razões para estar preocupados.