Pedro Mexia. “Não sou nem quero ser um intelectual”

Pedro Mexia. “Não sou nem quero ser um intelectual”


Não coloca a hipótese de fazer política partidária, mas, para já, não pode dizer que não exerceria um cargo público.


Pedro Mexia, 42 anos, é um intelectual que renega a sua condição. Não gosta do conceito e detesta ainda mais ser definido como pensador, um dos mais brilhantes da sua geração. Somos amigos sem o sermos. Há vários anos, talvez quase 20. Encontramo-nos bastas vezes sem necessidade de dizermos palavras para além das que são triviais. Tratamo-nos por tu e decidi manter essa distante proximidade por me parecer mais verdadeira, por o aproximar mais de nós. Conversámos sobre política, cultura, paradoxos do mundo, Deus e o ser humano e a sua condição. Uma boa conversa.  

 

Consegues organizar a tua vida através dos livros que leste, dos poemas que escreveste?

Do que fui lendo sim. Do que escrevi não. Felizmente a minha memória é limitada, quando me acontece ler textos mais antigos raramente me lembro do que escrevi, é como se lesse os textos pela primeira vez.

É como se fossem de outro.

Não é bem isso, mas é quase. Nalgumas entrevistas confrontam-me com coisas que terei escrito, umas vezes não as localizo e noutras não as reconheço como minhas. O que estaria a pensar antes de o escrever, pergunto-me…

Complicado, se pensares numa carreira política.

Não há esse risco. Há frases que se escrevem por motivos circunstanciais e não representam um pensamento estrutural, são sensações. Agora quanto aos livros que leio é diferente. Alguns têm uma ligação directa a determinadas fases da vida, nuns casos procuro-os, noutros surgem-me e leio-os por acaso. No ano passado li “Herzog”, de Saul Bellow, nova edição que acabara de sair, e falava exactamente das coisas que me preocupavam naquele momento. Lembrar-me-ei sempre daquele livro e a associação àquela fase será imediata.

O acaso, protagonista dos protagonistas.

Mas sabes que na vida para lá da história, na nossa vida, não tenho a certeza de que existam acasos no sentido próprio do termo. No destino ou caminho que fazemos não tenho a certeza disso, há circunstâncias que têm a ver com sorte ou azar, mas no que diz respeito à vida profissional ou pessoal encontro sempre uma maneira de entender o que se passou.

Nos últimos anos tens escrito menos.

Com menos regularidade, sim. Tem a ver com a existência de mais solicitações em determinado momento e a vontade de não me repetir. Em alguns momentos deparo-me com a inevitabilidade de já ter escrito sobre um assunto, não quero escrever exactamente o mesmo que já escrevi antes.

Numa conversa com Eduardo Prado Coelho ele dizia-me que o grande drama dos intelectuais, dele próprio, era muitas vezes quererem ser populares, e vice-versa. As pessoas populares desejavam ser reconhecidos pelo seu pensamento. Em que ficamos?

Não sou nem quero ser intelectual ou popular.

Não queres ser Pedro Mexia?

Isso também, mas são dois factos que não estão no meu horizonte de ambições. A palavra “intelectual” foi trivializada, às tantas qualquer pessoa que tenha lido uns livros passa por intelectual. Não me identifico com esse conceito, com a sua história e as posições tomadas por intelectuais no século xx. Porém, apesar disso, deve respeitar-se o termo, incluindo como intelectuais apenas os que reúnem duas condições: por um lado, terem um pensamento, e por outro terem um pensamento próprio. Ora poucas pessoas têm um pensamento e ainda menos o têm próprio. Nunca me ocorreria falar de mim na mesma categoria em que as pessoas falam do Eduardo Lourenço ou do José Gil. Esses são-no, têm uma obra e uma relação com o conceito de intelectual. Eu não. E não o quero ser, não tenho qualquer relação afectiva com a palavra.

E quanto à popularidade?

A questão nunca se pôs porque a larga maioria do que faço não tem essa premissa. Escrevo poesia, que é um género que chega apenas a centenas de pessoas, nunca me cruzei com a popularidade. Faço o “Governo Sombra” na rádio, é o que se aproxima mais do conceito. Para piorar as coisas não sou sociável e a ideia de popularidade não me diz rigorosamente nada.

Uma relação com o mundo que te obrigou certamente a uma adaptação. O mundo não premeia muito quem é pouco sociável, e num certo sentido solitário.

É uma característica quase genética. Ou um compromisso dos genes com acidentes biográficos que explicarão o resto. Sou uma pessoa que exterioriza pouco e convive ainda menos. Se algum dia fizer alguma coisa realmente popular, se tal acontecer, esse dia será verdadeiramente dramático para mim. Uma das coisas que mais gosto de viver numa cidade, e Lisboa é uma cidade com alguma dimensão, é a ideia de anonimato. Gosto muito de fazer a minha vida sem ninguém dar por mim, e a popularidade impedir-me-ia de o fazer, de ser eu. 

Há políticos a pedir-te opinião?

Pessoas de partidos da minha área política, naturalmente. Embora tenha estado em eventos de partidos de outras áreas ideológicas, até do Partido Comunista.

Como te defines politicamente?

Sou de centro-direita. Não há muitas dúvidas sobre isso. Sou um conservador-liberal. Mas não tenho nenhuma relação partidária, estou a tornar-me perigosamente abstencionista. Já me abstive em muitas eleições e não tenho interesse partidário. Agora, sem qualquer dúvida ou ambiguidade, a minha mundividência é a de alguém que acredita num modelo de sociedade de centro-direita.

Pode levantar-se um problema de regime no futuro?

Não me parece que se possa levantar uma questão de regime no sentido do autoritarismo em vez da democracia. Há problemas de representação, problemas de corrupção, problemas de falsas promessas…

E a abstenção de que falavas.

Não sou tão catastrofista em relação à abstenção, nas eleições americanas a maioria das pessoas não vai votar. Não ir votar tem um lado negativo de desinteresse, mas o lado positivo de manifestação de uma maioria de pessoas, uma opinião. Preocupa-me mais que as pessoas não leiam jornais.

Admites que possa haver surpresas nas próximas eleições, surpresas que possam pôr em causa o equilíbrio partidário?

Já não são surpresas, já os conhecemos. Marinho e Pinto está à cabeça e não sabemos quanto vale eleitoralmente Paulo Morais. Fora estes dois, não vejo que mais ninguém possa ter expressão eleitoral. Não vejo que possa existir um UKIP ou um Podemos.

Que balanço fazes destes anos de governação de Passos Coelho? É possível falar de uma mudança de paradigma da direita?

Julgo que é possível, sim. A mudança já começava a existir antes deste governo, na blogosfera já era visível uma reconfiguração da direita portuguesa que se afastava de alguns sectores. Gente mais jovem e académica que se afastava do padrão democrata-cristão (estou a ser genérico). Uma visão mais parecida com os economistas austríacos ou com a chamada escola de Chicago. A ideia individualista era mais forte que o sentimento colectivo, ou, dizendo de outro modo, era visível a dissolução de uma matriz cristã. Aconteceu, sim. Nalguns momentos senti isso como um retrocesso, em alguns momentos houve figuras ligadas a este governo que fizeram declarações públicas que revelaram uma insensibilidade social muito gritante.

Declarações contrárias ao espírito de um discurso político mais politicamente correcto.

Totalmente. Existia uma espécie de superego que evitava que determinadas coisas fossem ditas em público, porque é muito diferente aquilo que se diz em público do que se afirma em privado. E não se pode dizer, como aconteceu com um dirigente do PSD, que sem não sei quantos mil euros não se pode levar uma vida decente em Lisboa. Tudo o que não respeita o sofrimento alheio, incluído o desemprego e a pobreza, não me interessa. É o meu fundo católico, se quiseres.

Uma das ideias mais interessantes deste tempo de paradoxos é uma esquerda cujas bandeiras passaram a ser, ao contrário do que acontecia antes, bandeiras conservadoras.

A ideia de que a esquerda já não quer tanto a mudança, prefere conservar o Estado social, sim… Mas vamos ver, ser conservador presta-se a muitos equívocos, pode ser um substantivo ou um adjectivo. Os comunistas são conservadores e com isso não estamos a dizer que são adeptos do conservadorismo enquanto doutrina ideológica. O facto de a esquerda querer conservar não os faz conservadores, mas concordo que há um certo paradoxo quando se apresenta a esquerda assim e os liberais como revolucionários.

Quando tentamos definir Pedro Mexia…

Essa actividade tão importante.

Quem sabe se um dia fundamental… existe sempre uma dimensão poética de vencido da vendida, de loser. Assumes isso?

Acontece que escrevo mais frequentemente sobre isso. Do ponto de vista da escrita é isso que me motiva, não quer dizer que seja o mais importante, que me defina ou que me caracterize. Na altura dos vencidos da vida alguém perguntou das razões por que aqueles senhores que eram ministros, embaixadores e romancistas conceituados, se apelidavam vencidos. Vendo de fora, com distância, percebemos que muitos vencedores não o são assim tanto ou não o são de modo nenhum. Vencedor é uma máscara social, pode corresponder a vitórias mas é uma máscara. Mas não é naquilo que mostramos aos outros que está o fracasso da nossa vida. Agrada-me do ponto de vista estético a ideia de loser. Há aliás todo um património de canções, filmes, livros que exploram isso e no qual me reconheço. No meu caso não é sociologicamente exacto dizer que sou um vencido, mas acho que existem algumas coisas em que fracassei ou vou fracassando. E é sobre essas que escrevo. Percebo que as pessoas achem que é uma persona que uso, mas os que me conhecem melhor sabem que não é, sou eu.

Não há o risco de te transformares numa persona, numa máscara?

Viver em público, ou ter uma dimensão de vida pública, comporta sempre o risco de em público não podermos ser exactamente o que somos na intimidade. Não saímos nus à rua, vestimo-nos, há cuidados que temos, mas não sou uma personagem que esconda o rosto, as pessoas que me conhecem bem não são surpreendidas com o que sou para os outros. Não sou um actor que chega a casa e despe a personagem, de modo nenhum. A minha persona é muito parecida comigo, sou quase eu com alguns exageros estilísticos.

Alguém que te conheceu aos 20 anos…

Bem, esses não me reconhecem. Estou mais sociável que aos 20 anos, o que é assustador. Dava para imaginar o que eu era aos 20.  

Numa entrevista que deste há uns anos falavas de uma juventude que nunca tiveste.

Nunca me senti atraído por uma ideia de juventude.

Há alguma nostalgia em relação àquilo que não viveste?

Nostalgia do tempo perdido, sim. Do que não vivi, de maneira nenhuma. As coisas com as quais não me identificava em jovem continuam a não me atrair na meia-idade. Não tenho pena de não ter tido um certo tipo de vida, tenho nostalgia da passagem do tempo, claramente. Das pessoas que morreram, das amizades que se perderam. Mas sinto-me muito mais confortável que aos 20 anos. Sinto-me menos estranho aos 42 anos do que me sentia aos 20.

Falávamos dos vencidos e veio-me à cabeça esta aversão do país aos que falham. Altamente contraditório com uma ideia de inovação (tão apregoada), concordamos que não há inovação sem a capacidade de aguentar o que não corre bem, o que falha.

E temos um historial de fracassos. Basta ver o “Non” do Oliveira para o perceber. Depois do nosso período áureo temos um conjunto incrível de fracassos: a expulsão dos judeus (por acaso num período alto), a participação na Grande Guerra, a descolonização, tão atrasada em relação aos ventos do tempo.

Sebastião é uma personagem importante?

Não. O sebastianismo corresponde a uma característica que me é simpática do ponto de vista pessoal, mas não enquanto nação. A ideia de poetizar a derrota, que a derrota é um trunfo poético e que vai haver um regresso prometido. Sou crente na poesia numa dimensão individual, mas sou muito hostil à dimensão poética da vida colectiva. Tenho horror à poetização da política, sempre que vejo um político a tentar fazer poesia sei que não quero ir por ali. Acho que é perigoso, inútil e há um longo historial disso em Portugal.

Pensas em Sampaio da Nóvoa?

Não tenho nada contra o professor Sampaio da Nóvoa. Também não percebo muito bem como o PS não encontrou no seu seio um candidato mais forte. No que eu ouvi, nos célebres discursos da Aula Magna, tem uma quantidade de retórica poética que pode ser importante para convencer as pessoas, arrebatá-las, mas que não resiste a uma análise fria daquilo que ele disse.

Quantas estrelas teriam os seus discursos?

Não, isso não. É uma pessoa respeitável, conheci-o há muito pouco tempo, mas a razão que o torna popular em alguns sectores não é uma razão que pessoalmente me fascine. Não é um discurso que me inspire.

Um pouco como os discursos providencialistas.

Tudo formas poético-messiânicas, não me agrada nada essas dimensões. Prefiro ficar sempre com o diabo que já conheço, seja o diabo que for.

Choca-te um ex-primeiro-ministro estar preso?

Choca-me um primeiro-ministro que venha a ser condenado em tribunal. Isso significará que os portugueses elegeram um corrupto. E chocar-me-á se o caso for arquivado porque é demasiado sério prender um ex-primeiro-ministro sem que tudo esteja sustentado. Pelo que sabemos não parece que seja o caso. Prefiro, mal por mal, ter um ex-primeiro-ministro condenado a um ex-primeiro-ministro impune. Nos últimos anos tem crescido uma ideia de descalabro que pode resultar de um facto positivo: o de o lixo não ser varrido para debaixo do tapete. Há tribunais a fazer o seu papel. Agora para o país, do ponto de vista exterior, preferiria que não tivesse acontecido. Mas como cidadão quero saber.

E pode ser um factor decisivo nestas eleições.

Decisivo não sei, mas importante será com certeza. Sobretudo se a convicção na população de que existe culpa for forte, aí o PS poderá ter um problema. Até pela relação de vários elementos do PS, a começar pelo secretário-geral, ao próprio José Sócrates. Diria que é difícil não se fazer a ligação, mas também acho que o PSD ou o CDS não devem forçar a carta nessa matéria. Mas é uma ideia que fica a pairar e o PS terá de lidar com isso.

Até agora tem lidado bem?

Diria que sim, genericamente sim. António Costa enviou uma mensagem muito clara aos militantes. Só que depois disso falaram históricos do PS, a começar por Mário Soares e a acabar agora em Carrilho. Uns a queixarem-se de uma cabala e outros a pediram a expulsão de Sócrates. É um partido grande e as pessoas falam, um problema.

O que achas de António Costa?

É um dos valores mais fortes do PS actual, um nome óbvio para candidato a primeiro-ministro. Não gostei do processo eleitoral no PS, António José Seguro foi atropelado, mas não vale a pena ser idealista e pensar que as coisas não funcionam assim. É a política. O balanço como presidente da Câmara de Lisboa foi muito positivo, Lisboa melhorou muito. Agora também é verdade, depois destes anos de austeridade, que o principal partido da oposição tem sondagens muito abaixo do que seria de esperar. E Costa tem cometido erros incompreensíveis, a forma como reagiu à candidatura de Henrique Neto não faz sentido.

O exercício de cargos públicos, nomeadamente como secretário de Estado ou ministro da Cultura, não te atrai? Não pões, mesmo que academicamente, essa hipótese?

Não ponho de modo nenhum a hipótese de fazer política partidária, mas não posso dizer que não exercerei um cargo público. Se o convite viesse amanhã diria que não. Também não esperava ter estado na Cinemateca e estive, não seria absurdo para mim, mas não é coisa que ambicione. E depois, para piorar as coisas, a avaliação que os amigos me dão da sua experiência não é famosa. Não quero ter na minha vida uma carga de problemas, a carga que eles têm na deles.

Estás a falar de Pedro Lomba?

Não vou especificar, mas não falo apenas deste governo. A questão básica é outra: não tenho qualquer vontade de infernizar a minha vida.

Bem, nesta tua resposta confesso-te que fiquei na dúvida.

Sobre o que eu disse?

Sobre se não terás já sido convidado para secretário de Estado da Cultura.

Nunca fui convidado, nem faria sentido.

Mas reconheces que existe a percepção pública de que tens um pensamento e, em segundo lugar, um pensamento próprio.

Não sei se é generosidade das pessoas ou defeito da geração. Conheço um número significativo de pessoas que se movimentam na mesma área que têm mais obra, mais valor e mais pensamento próprio que eu. Na literatura, no cinema… O meu nome aparece simplesmente porque serei mais mediaticamente conhecido que outras pessoas, falo a sério.

Houve alguma altura da tua vida em que te tenhas dado importância?

Talvez no princípio, quando algumas pessoas me começaram a reconhecer, mas mesmo aí foi muito ténue. Ninguém que me conheça bem poderá afirmar que tenho uma relação deslumbrada com o mundo, até por não ser uma figura pública, escrevo nos jornais e publico livros. É agradável ser lido, isso é.

És sensível ao elogio?

Não sou muito porque teria de ser muito sensível à crítica e ao insulto. Dou um desconto às opiniões das pessoas que não conheço, raramente fico eufórico ou deprimido quando leio alguma coisa sobre mim.

Vivemos num país muito pequeno, o meio literário ainda é mais pequeno, e nesse sentido o trabalho de crítico literário não é propriamente uma boa maneira de conservares amigos.

Já escrevi más críticas de pessoas de quem gosto. Há pessoas que levam a mal, mas isso faz parte. Não se pode fazer as coisas de uma maneira conscienciosa sem pagar o preço por isso, não me preocupa.

Se as coisas te corressem bem, mesmo bem, daqui a 40 anos que Pedro Mexia teria à minha frente? Que homem serias tu?

Vivo. Seria um homem vivo.

Questões rápidas. O Syriza ou o Podemos têm uma importância circunstancial ou influenciarão os próximos anos?

O fenómeno Syriza está já em julgamento porque foram eleitos. Têm um governo anti-austeridade, o seu discurso político tem sido mantido na generalidade, e vamos ver se serão absorvidos por um pensamento mainstream ou se mantêm a identidade assumindo o confronto com a realidade. O caso do Podemos parece-
-me mais inquietante.

Porquê?

Por ser politicamente menos definido, por dizerem que não são de esquerda ou de direita, por terem simpatias pelo chavismo… E Espanha tem uma outra importância, muito maior que a Grécia. Acho que a questão grega foi genericamente positiva para a Europa, não sei se foi positiva para a Grécia, veremos.      

O que devemos esperar do Estado Islâmico?

Num certo sentido é mais um episódio do islamismo radical, mas há uma coisa que nunca tínhamos visto, o ataque às cidades antigas, aos museus, à memória. É relativamente novo e coloca este inimigo numa posição de estranheza civilizacional absoluta. Até os nazis preservavam a memória. Mostram-nos pessoas muito diferentes de nós, com uma visão do mundo radicalmente diferente. É assustador e é bom que seja assustador para que não os minimizemos.

E em nome de Deus.

É uma boa expressão porque, ainda que se acredite que Deus fala, Deus não tem porta-voz. Tem um representante para quem acredita nas várias religiões, mas eu que sou crente tenho dificuldade em fazer a amálgama com o que as pessoas fazem em nome dessa crença. Muitos dos crimes do cristianismo (que conheço bem) não têm fundamento teológico, não está no texto sagrado.

Deus é para ti uma interrogação ou uma resposta?

Deus é uma interrogação porque mesmo quando temos uma resposta não sabemos o que ela quer dizer. Mesmo os crentes, mesmo os que dizem como eu que acreditam em Deus, não oferecem uma resposta. O que significa acreditar em Deus? Significa que acreditamos na vida eterna, mas o que é que isso significa? É quase como discutir um poema, um poema em que mesmo as certezas são uma interrogação.

E isso impede a ideia feita da comodidade associada à crença em Deus.

É claro. É exactamente o contrário disso. Ser crente representa uma responsabilidade acrescida, a responsabilidade de fazer as coisas melhor, a ideia de que os nossos actos têm um sentido e consequências. É uma responsabilidade quase maníaca.

Estás a caminhar na direcção certa?

Sempre que me lembro disso tento caminhar na direcção certa.

Que palavra salvarias se apenas pudesses salvar uma única?

Talvez. Salvava a palavra “talvez”.