Mare nostrum?


Porque é que não há desembarques de refugiados em Portugal?


Quando se olha para o mapa do Mediterrâneo, o mar que une e não o que separa, surge com naturalidade a questão: porque é que não há desembarques de refugiados em Portugal?

Por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, como lembrou o primeiro-ministro marroquino esta semana durante a cimeira luso-marroquina, porque Marrocos controla as suas fronteiras e não permite a operação das redes de tráfico de migrantes. Em segundo lugar, porque Portugal, dada a sua pobreza no contexto europeu, não é o destino de eleição dos imigrantes económicos (muitos) ou exilados políticos (em crescendo).

Nestas duas ordens de razões encontramos todas os elementos da complexidade do problema da imigração em direcção à Europa. O fenómeno não ocorre onde há um Estado organizado e funcional que controla as suas fronteiras (Marrocos, mas também a Argélia e, com intermitências, a Tunísia). O destino final dos imigrantes económicos e dos exilados é função da riqueza e da capacidade de absorção de mão-de-obra por parte das economias dos países mais ricos e, em menor grau, da generosidade do respectivo sistema de asilo (daí o maior número de exilados recebidos por países com sistemas “generosos” de reconhecimento do direito ao asilo: Alemanha, Suécia, Bélgica).

A conjugação destes factores faz com que Portugal se situe no Conselho Europeu numa zona neutra de não protagonismo nesta questão, nem se alinhando com os países que sofrem a pressão das vagas de imigrantes (Itália, Malta, Grécia, Bulgária) nem com os que os acolhem de forma mais generosa (supra) nem com os que, por razões de política interna (Reino Unido, Holanda, França, mas também a oposição italiana com um crescimento exponencial de uma Lega Nord capitaneada por Matteo Salvini) temem o populismo dos discursos xenófobos e anti-imigração.

Mas os factores que têm protegido Portugal podem mudar. Não há muitos anos Espanha assistiu a vagas de desembarques nas Canárias provenientes do Senegal, desembarques que só diminuíram depois de algum desgaste da imagem das Canárias como destino turístico e de um forte investimento europeu na África ocidental e que fez melhorar os mecanismos locais de controlo de fronteiras.

Não ter voz activa nas discussões europeias também nunca é boa política. A preguiçosa e acéfala política do “juntamo-nos à maioria” é ainda mais perigosa numa área em que somos destinatários potenciais de maiores fluxos migratórios dada a extensão das nossas fronteiras marítimas e em que devemos ajudar os nosso parceiros, com Marrocos à cabeça, a perseverar nos esforços de controlo fronteiriço. Não vale também a pena apontar Bruxelas como a fonte de todas as insuficiências quando são os estados-membros que têm sempre recusado votar a maior ambição dos sucessivos planos de acção propostos pela Comissão Europeia. O pré-Conselho Europeu que ontem reuniu na REPER italiana em Bruxelas Renzi, Merkel, Hollande e Cameron também não augura nada de bom para a colegialidade do processo de decisão na UE.

E será preciso lembrar que em matéria de uso da força ainda vigora a Carta da ONU e que, face ao vazio de poder na Líbia e na Síria, será preciso obter um mandato do Conselho de Segurança para destruir em terra e nas águas territoriais daqueles “estados” as embarcações dos traficantes de seres humanos (à semelhança do que acabou, por fim, por se fazer na Somália para combater a pirataria).

Aos amantes das belas palavras recomendo a não leitura do comunicado do Conselho Europeu mas sim a recitação da oração laica escrita por Erri De Luca para os migrantes: “Mare nostro che non sei nei cieli…”

Escreve à sexta-feira

Mare nostrum?


Porque é que não há desembarques de refugiados em Portugal?


Quando se olha para o mapa do Mediterrâneo, o mar que une e não o que separa, surge com naturalidade a questão: porque é que não há desembarques de refugiados em Portugal?

Por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, como lembrou o primeiro-ministro marroquino esta semana durante a cimeira luso-marroquina, porque Marrocos controla as suas fronteiras e não permite a operação das redes de tráfico de migrantes. Em segundo lugar, porque Portugal, dada a sua pobreza no contexto europeu, não é o destino de eleição dos imigrantes económicos (muitos) ou exilados políticos (em crescendo).

Nestas duas ordens de razões encontramos todas os elementos da complexidade do problema da imigração em direcção à Europa. O fenómeno não ocorre onde há um Estado organizado e funcional que controla as suas fronteiras (Marrocos, mas também a Argélia e, com intermitências, a Tunísia). O destino final dos imigrantes económicos e dos exilados é função da riqueza e da capacidade de absorção de mão-de-obra por parte das economias dos países mais ricos e, em menor grau, da generosidade do respectivo sistema de asilo (daí o maior número de exilados recebidos por países com sistemas “generosos” de reconhecimento do direito ao asilo: Alemanha, Suécia, Bélgica).

A conjugação destes factores faz com que Portugal se situe no Conselho Europeu numa zona neutra de não protagonismo nesta questão, nem se alinhando com os países que sofrem a pressão das vagas de imigrantes (Itália, Malta, Grécia, Bulgária) nem com os que os acolhem de forma mais generosa (supra) nem com os que, por razões de política interna (Reino Unido, Holanda, França, mas também a oposição italiana com um crescimento exponencial de uma Lega Nord capitaneada por Matteo Salvini) temem o populismo dos discursos xenófobos e anti-imigração.

Mas os factores que têm protegido Portugal podem mudar. Não há muitos anos Espanha assistiu a vagas de desembarques nas Canárias provenientes do Senegal, desembarques que só diminuíram depois de algum desgaste da imagem das Canárias como destino turístico e de um forte investimento europeu na África ocidental e que fez melhorar os mecanismos locais de controlo de fronteiras.

Não ter voz activa nas discussões europeias também nunca é boa política. A preguiçosa e acéfala política do “juntamo-nos à maioria” é ainda mais perigosa numa área em que somos destinatários potenciais de maiores fluxos migratórios dada a extensão das nossas fronteiras marítimas e em que devemos ajudar os nosso parceiros, com Marrocos à cabeça, a perseverar nos esforços de controlo fronteiriço. Não vale também a pena apontar Bruxelas como a fonte de todas as insuficiências quando são os estados-membros que têm sempre recusado votar a maior ambição dos sucessivos planos de acção propostos pela Comissão Europeia. O pré-Conselho Europeu que ontem reuniu na REPER italiana em Bruxelas Renzi, Merkel, Hollande e Cameron também não augura nada de bom para a colegialidade do processo de decisão na UE.

E será preciso lembrar que em matéria de uso da força ainda vigora a Carta da ONU e que, face ao vazio de poder na Líbia e na Síria, será preciso obter um mandato do Conselho de Segurança para destruir em terra e nas águas territoriais daqueles “estados” as embarcações dos traficantes de seres humanos (à semelhança do que acabou, por fim, por se fazer na Somália para combater a pirataria).

Aos amantes das belas palavras recomendo a não leitura do comunicado do Conselho Europeu mas sim a recitação da oração laica escrita por Erri De Luca para os migrantes: “Mare nostro che non sei nei cieli…”

Escreve à sexta-feira