Das 8h50 da manhã às 4h19 do dia seguinte contam-se quase 20 horas. Foi este o tempo, de segunda a terça-feira, que o venezuelano Maickel Melamed demorou a completar a maratona de Boston. Foi o último a terminar a prova, num esforço que esteve longe de ser considerado uma brincadeira. Ao longo dos últimos cinco anos, este sul-americano de 39 anos cruzou a meta de outras tantas maratonas, ao ritmo de uma por ano: Nova Iorque, Berlim, Chicago, Tóquio e, finalmente, Boston. De todas estas provas, a última é a mais especial.
Maickel Melamed sofre de uma forma de distrofia muscular, que afecta os seus movimentos. Por essa razão, demorou cerca de 20 horas a completar os mais de 42 quilómetros da prova, na cidade para onde foi levado pelos seus pais, em pequeno, para receber o tratamento adequado ao seu problema. Durante a corrida foi acompanhado por uma série de voluntários, que o protegeram da chuva e do vento que brindaram a prova e o ajudaram a chegar à meta, onde muitos amigos e apoiantes esperavam para o saudar.
Os problemas de Melamed começaram logo à nascença. O venezuelano nasceu com o cordão umbilical enrolado ao pescoço, o que o impediu de receber oxigénio. Para seu azar, o tanque usado para ajudar o venezuelano estava vazio. Deram–lhe sete dias de vida, uma estimativa que falhou redondamente. Cresceu numa família que fez os possíveis por não o considerar especial. Licenciou-se em Economia, com distinção, e viveu em Londres.
Não demorou muito a perceber que a sua vida não passaria pela economia. Acabou por se dedicar à terapia Gestalt, um caminho que o levou a ajudar e inspirar pessoas. Praticou muitos desportos extremos, como parapente, pára-quedismo e montanhismo. Subiu mesmo a montanha mais alta da Venezuela, o pico Bolívar, com cerca de 5 mil metros de altitude. O atletismo chegou à sua vida apenas em 2009, numa altura em que a distância máxima que conseguia percorrer eram 500 metros. Evoluiu e, em pouco tempo, tornou-se capaz de correr a maratona.
O objectivo de Melamed era, tão simplesmente, poder inspirar outras pessoas a superarem-se, uma missão que ganhou outras proporções por ter sido realizada na maratona em que, em 2013, duas bombas rebentaram, matando três pessoas e ferindo quase três centenas. “Eu sei que as pessoas me viram a andar, mas para mim aquilo foi correr à máxima velocidade”, confessou o venezuelano no final da prova. Esteve quase a desistir perto do final, mas optou por parar apenas por uns segundos e depois continuar.
No final, e já na sua cadeira de rodas, Melamed foi agraciado com uma medalha, no City Hall, pelo mayor Martin J. Walsh. O espírito de luta de Melamed chegou à NBA, com Brad Stevens, treinador dos Boston Celtics, a mostrar aos seus jogadores um vídeo do homem que é conhecido como Profeta do Asfalto, antes do jogo contra os Cleveland Cavaliers, na madrugada de quarta-feira.
Maratona de Boston
Inspirada na maratona dos Jogos Olímpicos de 1896, em Atenas, esta prova anual foi realizada pela primeira vez no ano seguinte, com apenas 18 participantes. Desde então cresceu, atraindo dezenas de milhares de atletas profissionais e amadores. Em 1996, na edição centenária, a maratona de Boston tornou-se a maior do mundo, com 38 708 inscritos, 36 748 participantes, e 35 868 atletas a concluírem a corrida. Além disso, é o evento mais acompanhado da televisão na Nova Inglaterra