Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional da Polícia (SINAPOL), e o vice-presidente daquele sindicato Marcelo Pinto ter-se-ão apropriado ilegitimamente de 16.891 euros de fundos provenientes do POAP (Programa Operacional da Administração Pública integrado num antigo Quadro Comunitário de Apoio) entre 2006 e 2007. Por alegadamente terem usado em proveito próprio montantes que se destinavam exclusivamente ao pagamento de formações destinadas a agentes da PSP, os sindicalistas são acusados de um crime de abuso de confiança qualificada, em co-autoria.
“Os arguidos retiraram os montantes acima descritos para proveito próprio e do SINAPOL para fim alheio ao que se destinava. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de se apoderarem dos montantes acima referidos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que apenas lhes foram entregues para pagamento de despesas elegíveis das formações”, diz o despacho de acusação da 9ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, a que o i teve acesso.
Acrescenta o documento assinado pelo procurador Valter Alves que os sindicalistas terão elaborado um plano para utilizar aqueles montantes em fins alheios aos que eram devidos: primeiro, terão criado uma conta para receber o subsídio a que só os dois tinham acesso; depois terão depositado cheques de uma conta do SINAPOL onde tinham sido depositados aqueles subsídios nas suas respectivas contas pessoais ou feito levantamentos directos daqueles montantes. Através desta conduta, diz o despacho que o POAP/Agência para o Desenvolvimento e Coesão terão sido lesados, razão pela qual o Ministério Público aconselha a agência a deduzir um pedido de indemnização civil contra os dois arguidos. Durante a investigação, a PJ também chegou a sugerir a possibilidade de Armando Ferreira vir a ser inibido de exercer funções sindicais.
Entre 2006 e 2007, o sindicato recebeu mais de 110 mil euros divididos em quatro entregas. Caso as formações previstas não fossem todas ministradas, o dinheiro deveria ser devolvido. Em vez disso, o DIAP de Lisboa concluiu que Armando Ferreira e Marcelo Pinto terão gastado mais de 10% do montante global proveniente do POAP/Agência para o Desenvolvimento e Coesão. Dos montantes usados indevidamente, 11.920 euros terão sido utilizados directamente por Armando Ferreira, 1850 pagos a Marcelo Pinto em alegado benefício próprio e 3121 euros utilizados por ambos para pagar honorários de um advogado por serviços prestados a Armando Ferreira e ao SINAPOL.
Armando Ferreira recusa a acusação e já apresentou requerimento de abertura de instrução na tentativa de evitar o julgamento. Contactado pelo i, diz que a sua intenção é que “a verdade venha à tona”. “Fui absolvido de desvio de subsídio, de outro abuso de confiança, de falsificação. Vim a ser mal acusado de um crime sobre algo que no processo estava devidamente plasmado. Parece que a montanha pariu um rato.” O sindicalista acrescenta ainda que os factos já estarão prescritos, que o abuso de confiança nunca existiu e que a Agência alegadamente lesada nunca apresentou queixa.
Os investigadores reuniram ainda uma série de indícios suspeitos sobre a forma como Armando Ferreira geria o dinheiro do sindicato. Mas não o suficientemente fortes para fazer uma acusação. Enquanto membros da direcção do SINAPOL, os arguidos tinham o dever de exercer gratuitamente os cargos para que tinham sido eleitos. Apesar disso, a investigação da PJ, coordenada pelo DIAP de Lisboa, depois de vasculhar as contas bancárias de Armando Ferreira e do sindicato ficou com dúvidas sobre a legitimidade de transferências feitas para a conta pessoal do presidente.
Entre 2006 e 2008, o líder sindical recebeu nas suas contas 11.069 euros provenientes de contas do SINAPOL. Já entre 2010 e 2011, essas transferências do sindicato para o seu líder terão chegado aos 11.300 euros. Em interrogatório, Armando Ferreira negou sempre ter-se apropriado de qualquer montante do sindicato e alegou ter ocorrido uma inundação no primeiro período dos factos que destruiu parte da documentação contabilística. O DIAP de Lisboa não conseguiu averiguar se a inundação aconteceu ou não; concluiu apenas que foram encontrados durante as buscas alguns documentos daquelas datas, mas nenhum que atestasse a veracidade de despesas suportadas por Armando Ferreira e que deveriam depois ser ressarcidas pelo SINAPOL.
Numa acta de 30 de Outubro de 2009, a assembleia geral do sindicato determinou que na sequência da alegada inundação das instalações da sede, e da alegada consequente destruição de todo o arquivo do sindicato, deveria ser aprovado por unanimidade que “tudo o que foi perdido, independentemente de não ter sido possível quantificar valores, movimentos, destinatários e datas” ficaria “autorizado, justificado e aprovado”. Em relação ao período de 2010 a 2011 foi apenas encontrada outra acta em que a direcção decide atribuir a quantia de mil euros mensais ao presidente como compensação monetária enquanto perdurasse a suspensão de funções a que Armando Ferreira foi sujeito pela PSP. Esta suspensão terá ocorrido apenas durante seis meses.
Perante estes dados, a investigação concluiu que no SINAPOL “não havia uma contabilidade rigorosa, organizada e perceptível”. Que as actas “não eram elaboradas com rigor”, que o acesso às mesmas seria condicionado por Armando Ferreira e que aquele, de acordo com testemunhas ouvidas, se comportaria como “dono do sindicato”. Mas não conseguiu reunir elementos que permitissem concluir que as transferências das contas do SINAPOL para o do seu presidente seriam indevidas. Nem tampouco o seu contrário.
“É necessário ter presente que estamos perante uma entidade particular, que tinha como principal financiamento as quotizações dos seus sócios. Tendo estes sócios aprovado sempre as contas do sindicato e perante uma contabilidade desorganizada, com documentos de suporte a despesas sem referências ao SINAPOL ou outros e com despesas pagas através de contas quer do SINAPOL, quer do seu presidente, havendo uma manifesta confusão entre o que são contas do sindicato e do seu presidente, não é possível afirmar com certeza que ocorreu apropriação de dinheiro do SINAPOL por Armando Ferreira, ou o seu contrário, e a ter ocorrido, qual o exacto montante.”
Os autos do processo consultados pelo i mostram ainda que os crimes de desvio de subsídio e de peculato, por que Armando Ferreira estava indiciado, só caíram porque do ponto de vista estritamente jurídico não podiam ser aplicados neste caso. Apesar dos fortes indícios de que o sindicalista ter-se-á apropriado de dinheiros públicos, o crime de peculato, por exemplo, só se aplica a quem tem a qualidade de funcionário: um agente da PSP é considerado funcionário mas um dirigente sindical não. No caso de desvio de subsídio, que se aplica a quem utiliza fundos ou subsídios para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam, o crime só pode acontecer na prática quando o subsídio em causa tem em vista o desenvolvimento da economia. Algo que não se aplicaria em formações destinadas a melhorar os serviços prestados por agentes da PSP.