Detenção de administrador reforça tese de que o grupo Lena deu dinheiro a Sócrates

Detenção de administrador reforça tese de que o grupo Lena deu dinheiro a Sócrates


Investigação aperta cerco ao grupo Lena.  Joaquim Barroca, um dos administradores, foi interrogado por Carlos Alexandre.


Cinco meses depois da detenção de José Sócrates e de Carlos Santos Silva, depois de várias peças processuais em que o grupo Lena era dado como o “corruptor” do ex-primeiro--ministro, depois das análises bancárias que mostravam que os administradores do grupo Lena tinham feito transferências para as contas suíças de Santos Silva, Joaquim Barroca Rodrigues, um dos administradores do grupo de Leiria, foi detido para interrogatório.

A detenção aconteceu quarta-feira à noite, no âmbito da Operação Marquês, depois de buscas a sua casa e à sede da empresa, na Quinta da Sardinha, Leiria. Ao fim da tarde de ontem continuava a ser ouvido pelo juiz Carlos Alexandre no Tribunal Central de Instrução Criminal, hora a que ainda não eram conhecidas as medidas de coacção a que ficará sujeito.

{relacionados}

Durante o interrogatório, o procurador Rosário Teixeira e o juiz de instrução terão tentado esclarecer várias dúvidas, desde logo a razão por que terão sido feitas transferências para as contas que o empresário e ex-administrador do grupo Lena tinha na Suíça. A informação sobre os montantes destas transferências e as datas em que terão sido feitas terá chegado nas respostas às cartas rogatórias enviadas para a Suíça. Santos Silva afirma que esses montantes terão sido pagos a título de prémios, mas a tese tem sido rebatida pelo Ministério Público e até pelos juízes da Relação de Lisboa.

No acórdão de resposta ao recurso do empresário, datado de Fevereiro deste ano, e a que o i teve acesso, os desembargadores argumentam que se Santos Silva foi administrador de empresas do grupo Lena até finais de Agosto de 2009, e se aquelas transferências foram feitas, como admitiu, entre 2007 e 2009, não haverá outra justificação para aqueles pagamentos que não a sua “origem ilícita”: “Ainda que se entendesse que a sua intervenção extravasara os limites da diligência devida no exercício da sua função de administração, o recorrente, por um lado, e o grupo, por outro, dispunham de toda uma panóplia de justificativos legais possíveis para a atribuição de uma remuneração extra, com o inerente suporte documental.” Mesmo que Santos Silva já não fosse administrador, tendo continuado a prestar serviços ao grupo Lena, “nada obstava – e a lei impunha – à escrituração dos valores transferidos, ainda que a título de luvas o fossem”. 

Apesar dos desmentidos do grupo Lena – que ontem voltou a garantir, em comunicado, que sempre trabalhou no “mais escrupuloso respeito pela legalidade e boas práticas” –, a verdade é que desde o início da investigação que a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira alega que o acervo financeiro que Santos Silva constituiu no estrangeiro deriva de “atribuições patrimoniais injustificadas” que visavam “o enriquecimento indevido” do ex-primeiro-ministro e dá o grupo Lena como o corruptor de José Sócrates, em troca de alegadas vantagens na adjudicação de obras.
Na fundamentação enviada à Relação de Lisboa, o MP explicou que em Novembro, altura em que Sócrates e Santos Silva foram interrogados e ficaram em prisão preventiva, ainda não dispunha de informação sobre os actos concretos de adjudicação “vantajosos para o grupo Lena” e que teriam sido “venalmente decididos”. Mas já conseguia identificar que só entre 2007 e 2010 (anos em que Sócrates estava no poder) o Estado terá adjudicado obras ao grupo Lena num montante superior a 200 milhões de euros. 

E que projectos foram esses? “Projectos da Parque Escolar, do TGV e das parcerias rodoviárias, por exemplo”, assume o MP. Em Março, o i já tinha avançado que os investigadores estariam a recolher informações desses inquéritos, já abertos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). 
A empresa de construção civil  foi a principal beneficiada nas obras da Parque Escolar: em consórcio com as construtoras Abrantina e Manuel Rodrigues Gouveia arrecadou pelo menos cerca de 137 milhões de euros através de nove contratos para fazer obras em escolas públicas de Portalegre a Felgueiras, passando por Lisboa e Marinha Grande.
No caso das PPP rodoviárias, a construtora integrou o consórcio liderado pela Brisa que venceu a concessão do Baixo Tejo e o agrupamento que venceu a concessão Litoral Oeste. De acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, esta última terá sido a PPP dos tempos de Sócrates que mais dinheiro deu às construtoras.  

Outro dos indícios recolhidos pela investigação, que tem o grupo Lena no epicentro, diz respeito ao encontro entre Sócrates e o vice-presidente de Angola que terá sido agilizado pelo embaixador de Portugal em Nova Iorque e teria como fim pedir favores para o grupo de Leiria, conforme o i avançou. O ex-primeiro-ministro e Manuel Vicente terão chegado a encontrar-se na cidade de Nova Iorque, em Setembro, por ocasião de uma sessão da assembleia geral das Nações Unidas. O encontro terá sido promovido pelo embaixador de Portugal em Nova Iorque, Álvaro Mendonça e Moura, e terá reunido à volta da mesma mesa, além de Sócrates e Manuel Vicente,  Santos Silva e representantes do grupo Lena. Antes do encontro terá existido uma conversa telefónica, interceptada durante as escutas da Operação Marquês.