A alternativa de António Costa começou ontem a ganhar corpo. Além da frase feita do “fim da austeridade”, o prato forte da política pública é a promoção da procura. Seja com medidas fiscais seja mesmo com subsídios sociais, o PS quer aumentar o rendimento disponível das famílias com fundos públicos de forma a aumentar o consumo privado e com isso promover o crescimento da economia. Para tal, há um ponto de partida essencial das propostas de ontem: acabar com as medidas de austeridade mais depressa que o PSD e até 2017.
Não é o regresso à estratégia de José Sócrates de apostar num irresponsável plano de obras públicas (até porque não há dinheiro para tal), mas é a afirmação da receita tradicional do PSde fazer do Estado o motor do crescimento económico. São disso exemplo medidas como a reposição dos valores do rendimento mínimo garantido, do complemento de solidariedade para os mais velhos e do abono de família para níveis anteriores a 2012, a reposição mais acelerada dos salários da função pública e a descida da TSU dos trabalhadores (com uma descida gradual de 11% para 7% até 2018).
Enquanto o PSD prefere agir do lado da oferta, tentando criar condições fiscais para que as empresas paguem menos impostos de forma a aumentarem o investimento e a capacidade de gerar emprego, o PS aposta mais em medidas para as famílias, sem descurar as empresas. É curioso que tantas vezes acusamos o PS e o PSD de serem iguais mas agora estamos perante dois projectos com essa diferença de base.
A grande dúvida quanto às propostas doPS é só uma: são credíveis e sustentáveis? É certo que o grupo de trabalho socialista teve o mérito de quantificar os custos das propostas e tentou compensar as perdas de receita fiscal, mas o cenário macroeconómico previsto pelos socialistas é claramente optimista – e é o excesso de optimismo que tem destruído muitos sonhos, como aquele de Sócrates que acreditava que o investimento público em 2009 iria debelar a crise.
O grupo de peritos contratados pelo PS está claramente mais optimista que a maioria. Mais optimista que a Comissão Europeia. E muito mais optimista que o FMI. Os socialistas prevêem um crescimento médio anual entre 2016 e 2019 de 2,6% (contra 2,3% da maioria, 1,7% da Comissão e 0,2% do FMI). Prevêem menos desemprego, maior crescimento do PIB e uma subida significativamente mais acentuada das exportações.
Qual é o maior desafio destas propostas, que ainda terão de ser aprovadas pelos órgãos nacionais do PS? Em primeiro lugar, a Europa terá de aprovar qualquer alteração do Programa de Estabilidade e Crescimento e do Plano Nacional de Reformas que o actual governo vai ter de apresentar brevemente em Bruxelas. E no plano europeu uma coisa é certa: a política de contenção orçamental ainda não terminou e, com o possível default da Grécia e uma eventual saída do euro, não mudará tão cedo.
Mais importante que isso, as propostas do PS terão de ganhar a batalha da credibilidade. Os portugueses terão de acreditar no optimismo dos socialistas – tarefa árdua quando há uma grande falta de confiança na classe política. Desde Durão Barroso que os vencedores das legislativas chegam ao poder e fazem o contrário do que prometeram. Além de Barroso (que fugiu), repetiu-se com Sócrates um pouco em 2005 mas essencialmente em 2009. E verificou-se novamente com Passos Coelho – que teve de pedir desculpa por aumentar os impostos. Todos alegaram que o estado das contas públicas era pior do que esperavam. Neste ponto a pergunta é simples: por que razão devem os eleitores confiar agora em António Costa? Não é um caminho fácil. Principalmente porque Costa parece desejar uma coisa que os portugueses deixaram de fazer: cheques em branco tendo por base promessas assentes num optimismo cor-de-rosa. O mundo mudou e os portugueses estão muito mais pragmáticos.