Ontem morreram mais 20 imigrantes que tentavam chegar à terra dos sonhos partindo da Líbia em barcos artesanais. Ontem verificou-se uma nova tragédia – não, a tragédia não se mede pelo número de mortos. Avalia-se e classifica-se pelo autismo que nós, europeus, temos revelado nos últimos anos sobre o problema da imigração ilegal. Um autismo que é a última prova da falência e da incapacidade da Europa que temos hoje. Uma Europa que fecha os olhos a tragédias destas não tem qualquer superioridade moral para falar sobre os problemas do mundo. É uma Europa que entrou definitivamente em decadência moral.Porque todas as vidas que se perderam valem o mesmo que as nossas. Podiam ter sido apenas 50, mas foram mais de 5 mil seres humanos no último ano e meio. Das muitas dezenas de milhares que tentaram a sua sorte para chegar a Itália, Espanha, Grécia ou Malta.
O desinteresse da Europa até ontem sobre esta causa traduz uma incapacidade de ter uma posição diplomática comum sobre o tema. Sucessivos governos italianos, nomeadamente, alertaram para o problema, mas a Alemanha, França, Reino Unido e os restantes países do norte da Europa nunca deram o seu apoio a esta causa. Esta é só mais uma prova de como a União Europeia não é um projecto político, mas sim um projecto económico. Um problema humanitário que devia ser visto à luz do interesse geral europeu é visto de acordo com os interesses de cada país. Ou melhor, como se fosse um problema italiano, grego, espanhol ou maltês.
Como resolver este problema? Não há soluções milagrosas nem fáceis, tendo em conta os próprios problemas económicos da Europa. Por razões que se prendem com a baixa natalidade, o Velho Continente necessita de promover uma política de imigração, mas não consegue acolher tantos imigrantes – e não quer assumir isso. Não é politicamente correcto assumir a realidade. Mas ela está à frente dos nossos olhos: a economia europeia continua em crise, com assimetrias cada vez maiores entre norte e sul e uma taxa de desemprego na União Europeia de cerca de 10% – o que equivale a mais de 24 milhões de europeus que não têm emprego.A perda de competitividade não só fez aumentar o desemprego como impede que a Europa possa ter uma política de portas abertas sem qualquer controlo – basta ver os estados nórdicos, que já estão a reverter essa política. Por outro lado, basta verificar os conflitos cada vez mais latentes nos principais países europeus entre a comunidade residente e as comunidades imigrantes para perceber que a integração não é propriamente um valor que os europeus consigam praticar com muita eficácia.
No imediato, há que assegurar um reforço da vigilância naval, militar e civil, do Mediterrâneo para tentar evitar mais tragédias. A Itália não pode estar sozinha a lidar com a situação.
Em segundo lugar, a Europa tem de ter uma posição clara e pragmática em relação à imigração. Precisa de imigrantes por questões demográficas, mas não pode acolher todos. Temos de ter uma política comum e de coordenação de forma a percebermos quantos imigrantes podemos acolher e para que países poderão ir. Ter um sistema semelhante ao do green card norte-americano é um bom ponto de partida, como ontem foi proposto pelo presidente do Parlamento Europeu.
Finalmente, uma verdadeira utopia para esta Europa: definir uma estratégia diplomática comum e assumir o protagonismo internacional para tentar resolver o problema de origem deste êxodo de emigração. A pobreza, mas também os conflitos militares: Líbia, Síria, Iémen, entre outros. Euma utopia porquê? Porque não só tal política diplomática comum poucas vezes existiu como nunca foi criado um instrumento essencial para a mesma: um exército comum. A tragédia por detrás do drama humano é essa: a União Europeia nunca existiu.