Escrevi aqui há cerca de um mês que a morte política de José Sócrates tinha sido oficialmente decretada pela Relação de Lisboa quando este tribunal superior manteve a sua prisão preventiva e arrasou a tese dos empréstimos do amigo Santos Silva. Lido o acórdão do mesmo tribunal relativo ao empresário da Covilhã que diz ter emprestado largas centenas de milhares de euros a Sócrates, que o i hoje revela, podemos dizer que é inevitável uma acusação do Ministério Público contra o ex-primeiro-ministro e Santos Silva.
São três tribunais e 11 juízes a dizer o mesmo. Onze cabeças diferentes, homens e mulheres, progressistas e católicos, juiz de direito, desembargadores e conselheiros: a argumentação da defesa de Sócrates, nomeadamente a alegação de que o dinheiro fornecido por Santos Silva corresponde a empréstimos, não faz sentido.
São derrotas a mais, que até foram agravadas pelas últimas declarações públicas dos advogados do ex–primeiro-ministro. A nova tese de que Sócrates, um homem supostamente de Estado, um representante de uma República com uma das mais avançadas redes de multibanco do mundo afinal não confiava no sistema bancário e nas respectivas transferências bancárias, põem o ex-primeiro-ministro perigosamente ao nível de outro tipo de arguidos e de outro tipo de suspeitas criminais mais comuns. Não foi essa a intenção da sua defesa, mas foi assim que a opinião pública interpretou a nova tese.
Pior que isso, e no mesmo seguimento das críticas de “potencial insolvente” que já lhe tinham sido dirigidas anteriormente pela Relação de Lisboa, são as críticas ao despesismo de José Sócrates e aos 24 500 euros por mês que gastava sem qualquer poupança conhecida. É como se o descontrolo nos gastos pessoais fosse uma metáfora da sua governação recheada de parcerias público–privadas rodoviárias, TGV, terceira travessia sobre o Tejo e as famosas obras faraónicas da Parque Escolar.
Oprocurador Rosário Teixeira reforçou a sua posição e estará em condições de avançar para uma acusação contra o ex-primeiro-ministro e o seu amigo. Ao contrário da prisão preventiva, ninguém estranhará o encerramento do inquérito com a dedução da acusação.
A questão essencial está em perceber quando é que essa acusação poderá ser formalizada, porque de tal dependerá a data de libertação de José Sócrates. E aqui deve-se recordar a posição do advogado RicardoSá Fernandes no último sábado em entrevista ao i: “Seria bom que a justiça andasse depressa. Estar até ao fim do ano a aguardar o desfecho do processo não é saudável. Gostaria muito que o inquérito pudesse terminar antes do Verão” e antes da campanha eleitoral.
A ideia de Sá Fernandes baseia-se na necessidade de evitar a utilização política do processo Sócrates durante a pré-campanha, mas essa utilização será inevitável. Mas tanto uma acusação e consequente libertação de José Sócrates como a continuidade da investigação mas com Sócrates fora da prisão (o que pode sempre acontecer no âmbito da revisão da prisão preventiva) vão contaminar irreversivelmente a pré-campanha eleitoral no Verão. Não há volta a dar e tornarão Sócrates um dos temas da campanha.
A procuradora-geral, Joana Marques Vidal, terá de ponderar juntamente com o DCIAP se vale a pena correr o risco de ser acusada de politização ou se se deve produzir a acusação só depois das eleições. Eis um bom caso para a razão de Estado ser devidamente ponderada e valer mais que as razões meramente judiciais.