Imagine que se senta à mesa de um restaurante da moda, presença incortornável na lista dos destinos mais apetecidos na cidade. Passa os olhos pelo menu e sonha com toda a possibilidade de reduções, carnes maturadas, e… de repente acorda. Servem-lhe pão da véspera, e não muito depois apresentam-lhe um prato com bocados de porco e cenouras com cara de "fruta feia". Não peça já o livro de reclamações – até porque provavelmente não conseguirá perceber que os alimentos não acabaram de sair do forno ou da horta, já que o aspecto do prato pode fazer milagres. Espere pela conta enquanto lhe explicamos tudo, sem stresse, e com um sorriso nos lábios.
Comer restos? Pagar por eles? Foi assim no restaurante Blue Hill, em Manhattan, durante a segunda quinzena de Março.
A cada dia, um chefe famoso assinou as refeições servidas, com um valor fixo de 15 dólares. Objectivo? Educar os clientes. Transparência e redução do desperdício foram o lema do wasTED, o conceito pop que o responsável, Dan Barber, lançou no seu espaço, em Nova Iorque, para aplauso de uns e cepticismo de outros.
Na sua crítica para a revista
"GQ", Alan Richman foi pouco piedoso com a experiência, considerando-a uma tendência desumana, celebrizada há uma década, e designada "sem- -abrigo chique". Em léxico doméstico, teríamos qualquer coisa como "brincar aos pobrezinhos", prática capaz de desconcertar alguns comensais.
À "New Yorker", que passou pelo espaço provisório, Barber explicou o que muitos de nós pensamos quando comemos fora, seja num reduto mais modesto seja numa sala cheia de estrelas Michelin. Será que não estão a aproveitar sobras? Este peixe acabou de sair da lota ou do congelador? Os doces serão feitos aqui? Será que o pão já correu outras mesas antes da nossa? "Tudo o que consta da nossa ementa é feito noutros restaurantes. Estas ideias não são novas. Este prato não é mais que os raviolis de vegetais de ontem, que custavam 17 dólares, agora misturados com queijo."
Segundo Barber, recorrer aos pequenos desperdícios que são devolvidos à cozinha para confeccionar novas iguarias é uma prática corrente entre os chefes, incluindo grandes nomes do sector, como Grant Achatz, Dominique Ansel, April Bloomfield, que Dan convidou a visitarem o wasTED, cenário de uma campanha em tudo distinta dos habituais conselhos para comer melhor e provocar o mínimo dano no planeta. A marca distintiva de um projecto como este é que aqui os clientes só vêm ao engano se quiserem – o menu é bastante explícito quanto à proveniência e ao estado dos produtos.
A cruzada do chefe, classificado em 2002 como um dos chefes-revelação pela "Food and Wine Magazine", e parte da lista dos mais influentes do mundo segundo a "Forbes", em 2009, está longe de começar e acabar nesta iniciativa. Dan costuma dar conselhos acessíveis às cozinhas de qualquer lar do século xxi – por exemplo, pensar duas vezes antes de deitar fora restos de brócolos e couve-flor e reinventar os legumes em saborosas saladas, o que numa sociedade de consumo tão rápido como a luz pode parecer uma excentricidade, mas é nada mais nada menos que um hábito saudável e facilmente replicável por um cozinheiro amador.
Se a maioria dos chefes são conhecidos por apostar na excelência e na exclusividade dos ingredientes que utilizam, a mensagem de Barber é uma alternativa a esta visão. Sim, os chefes não só são capazes de seguir os métodos de poupança seguidos em casa como são os mais bem preparados para aplicar esta máxima da reciclagem dos alimentos. Além do mais, este tem a sorte de ter um quinta ao lado do local de trabalho, onde a história da terra e os efeitos da sazonalidade seguem o seu rumo.
Vestido com as suas conhecidas calças de pijama e camisas de manga comprida, é há muito um activista da gastronomia sustentável, modalidade seguida no Blue Hill. Barber já foi orador nas TED talks e promove a consciencialização em artigos para o "The New York Times" ou a "Saveur", sobre as escolhas do dia-a-dia e a forma como todos podemos ficar a ganhar com a revisão de pequenos costumes. A sua missão não passou despercebida à presidência de Obama, que o recrutou como conselheiro em matéria de nutrição e actividade física, além de contribuir para a Harvard Medical School Center for Health and The Global Environment e de liderar o centro educativo Stone Barns Center for Food & Agriculture. No livro "The Third Plate" volta a explorar um caminho alternativo ao clássico "da quinta para o prato".