Grass, o poema disfarçado de artigo de jornal contra Israel [traduzido]

Grass, o poema disfarçado de artigo de jornal contra Israel [traduzido]


Grass morreu esta segunda-feira, aos 87 anos, mas deixou atrás de si muitos prémio (um deles o Nobel da Literatura em 1999) mas também um monte de controvérsias.


"Uma infância entre o Espírito Santo e Hitler", escreveu o biógrafo Michael Jürgs.
 
Em Abril de 2012, seis anos depois de na sua autobiografia "Descascando A Cebola" (que seria editada em Portugal em 2007, pela Casa das Letras) ter confessado ter pertencido às SS na juventude, o escritor alemão disfarçou de poema um artigo sobre o programa nuclear iraniano.
 
Aqui, opunha-se descaradamente a um ataque de Israel ao Irão, afirmando que Israel ameaçava a paz mundial.
 
Depis de um debate intenso a nível mundial, incluindo uma resposta inflamada do então primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, Grass nunca cedeu uma linha.
 
O poema de 69 linhas "O que tem de ser dito" apareceu escrito em forma de artigo na secção de cultura do jornal de Munique Süddeutsche Zeitung. Uma mistura de termos líricos com discussões sobre a necessidade de supervisão internacional dos programas nucleares de Israel e do Irão, chamando, sem rodeios, Israel de ameaça à paz mundial com os seus avisos em atacar as instalações nucleares do Irão. 
 
Ao fornecer armas a Israel, incluindo submarinos, a Alemanha, ela própria, estaria a ser cúmplice do "crime previsível", escreveu Grass.
 
O poema causou indignação na Europa e no mundo, o autor tornou-se persona non grata em Israel e voltou a ser acusado de antissemita. 
 
O poema da controvérsia
 
"O que tem de ser dito" 

Porque guardo silêncio há demasiado tempo
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano, 
conduzido ao júbilo 
e organizado por um fanfarrão, 
porque na sua jurisdição se suspeita 
do fabrico de uma bomba atômica.
Mas por que me proibiram de falar 
sobre esse outro país [Israel], onde há anos 
– ainda que mantido em segredo – 
se dispõe de um crescente potencial nuclear, 
que não está sujeito a nenhum controle, 
pois é inacessível a inspeções?
O silêncio geral sobre esse fato, 
a que se sujeitou o meu próprio silêncio, 
sinto-o como uma gravosa mentira 
e coação que ameaça castigar 
quando não é respeitada: 
“antissemitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país, 
acusado uma e outra vez, rotineiramente, 
de crimes muito próprios, 
sem quaisquer precedentes, 
vai entregar a Israel outro submarino 
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras 
para onde não ficou provada 
a existência de uma única bomba, 
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem, 
marcada por um estigma inapagável, 
me impedia de atribuir esse fato, como evidente, 
ao país de Israel, ao qual estou unido 
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo, 
já velho e com a minha última tinta, 
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo 
uma paz mundial já de si frágil?
Porque deve ser dito 
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer], 
e porque – já suficientemente incriminados como alemães – 
poderíamos ser cúmplices de um crime 
que é previsível, 
pelo que a nossa cota-parte de culpa 
não poderia extinguir-se 
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me 
porque estou farto 
da hipocrisia do Ocidente; 
é de esperar, além disso, 
que muitos se libertem do silêncio, 
exijam ao causador desse perigo visível 
que renuncie ao uso da força 
e insistam também para que os governos 
de ambos os países permitam 
o controle permanente e sem entraves, 
por parte de uma instância internacional, 
do potencial nuclear israelense 
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos, 
israelenses e palestinos, 
mas também todos os seres humanos 
que nessa região ocupada pela demência 
vivem em conflito lado a lado, 
odiando-se mutuamente, 
e decididamente ajudar-nos também.
 
Was gesagt werden muss
 
Warum schweige ich, verschweige zu lange, 
was offensichtlich ist und in Planspielen 
geübt wurde, an deren Ende als Überlebende 
wir allenfalls Fußnoten sind.
Es ist das behauptete Recht auf den Erstschlag, 
der das von einem Maulhelden unterjochte 
und zum organisierten Jubel gelenkte 
iranische Volk auslöschen könnte, 
weil in dessen Machtbereich der Bau 
einer Atombombe vermutet wird.
Doch warum untersage ich mir, 
jenes andere Land beim Namen zu nennen, 
in dem seit Jahren – wenn auch geheimgehalten – 
ein wachsend nukleares Potential verfügbar 
aber außer Kontrolle, weil keiner Prüfung 
zugänglich ist?
Das allgemeine Verschweigen dieses Tatbestandes, 
dem sich mein Schweigen untergeordnet hat, 
empfinde ich als belastende Lüge 
und Zwang, der Strafe in Aussicht stellt, 
sobald er mißachtet wird; 
das Verdikt "Antisemitismus" ist geläufig. 
Jetzt aber, weil aus meinem Land, 
das von ureigenen Verbrechen, 
die ohne Vergleich sind, 
Mal um Mal eingeholt und zur Rede gestellt wird, 
wiederum und rein geschäftsmäßig, wenn auch 
mit flinker Lippe als Wiedergutmachung deklariert, 
ein weiteres U-Boot nach Israel 
geliefert werden soll, dessen Spezialität 
darin besteht, allesvernichtende Sprengköpfe 
dorthin lenken zu können, wo die Existenz 
einer einzigen Atombombe unbewiesen ist, 
doch als Befürchtung von Beweiskraft sein will, 
sage ich, was gesagt werden muß.
Warum aber schwieg ich bislang? 
Weil ich meinte, meine Herkunft, 
die von nie zu tilgendem Makel behaftet ist, 
verbiete, diese Tatsache als ausgesprochene Wahrheit 
dem Land Israel, dem ich verbunden bin 
und bleiben will, zuzumuten.
Warum sage ich jetzt erst, 
gealtert und mit letzter Tinte: 
Die Atommacht Israel gefährdet 
den ohnehin brüchigen Weltfrieden? 
Weil gesagt werden muß, 
was schon morgen zu spät sein könnte; 
auch weil wir – als Deutsche belastet genug – 
Zulieferer eines Verbrechens werden könnten, 
das voraussehbar ist, weshalb unsere Mitschuld 
durch keine der üblichen Ausreden 
zu tilgen wäre.
Und zugegeben: ich schweige nicht mehr, 
weil ich der Heuchelei des Westens 
überdrüssig bin; zudem ist zu hoffen, 
es mögen sich viele vom Schweigen befreien, 
den Verursacher der erkennbaren Gefahr 
zum Verzicht auf Gewalt auffordern und 
gleichfalls darauf bestehen, 
daß eine unbehinderte und permanente Kontrolle 
des israelischen atomaren Potentials 
und der iranischen Atomanlagen 
durch eine internationale Instanz 
von den Regierungen beider Länder zugelassen wird.
Nur so ist allen, den Israelis und Palästinensern, 
mehr noch, allen Menschen, die in dieser 
vom Wahn okkupierten Region 
dicht bei dicht verfeindet leben 
und letztlich auch uns zu helfen.
 
Fonte: Süddeutsche Zeitung, 4 de abril de 2012