Miguel Vieira. “O meu caderno dorme sempre comigo”


O homem que em criança “nunca ligou a modas nem tinha aptidão para tal” está prestes a comemorar 30 anos de carreira. Na quarta-feira, quando conversámos com Miguel Vieira pelo telefone, sentimos a pressão, o stresse e a correria dos últimos preparativos para o desfile do Portugal Fashion. Ontem, o corrupio abrandou assim que a…


O homem que em criança “nunca ligou a modas nem tinha aptidão para tal” está prestes a comemorar 30 anos de carreira. Na quarta-feira, quando conversámos com Miguel Vieira pelo telefone, sentimos a pressão, o stresse e a correria dos últimos preparativos para o desfile do Portugal Fashion. Ontem, o corrupio abrandou assim que a primeira manequim pôs o pé no catwalk para o desfile de moda que encerrou a primeira noite de espectáculo, no Porto. 
 
Os nervos à flor da pele – conta-nos durante a tal conversa telefónica supersónica – continuam a fazer parte da praxe. Curioso, pensamos nós, já que Miguel Vieira diz ter perdido a conta ao número de desfiles em que participou. E por muito que tentemos puxar-lhe pela memória, do outro lado do telefone confessa: não consegue recordar com precisão quando foi o seu primeiro desfile ou a primeira peça que criou.
 
Miguel Vieira tem 49 anos. Com 20 deu os primeiros passos no mundo da moda e, apenas dois anos depois, apresentava a primeira colecção com o seu nome. Nascido em S. João da Madeira, onde ainda mantém o seu ateliê, recorda que apesar de em miúdo a moda lhe passar completamente ao lado (e isso era bem visível porque usava calções em todas as ocasiões possíveis e imaginárias), sempre teve jeito para o desenho, principalmente para a banda-desenhada e para esboçar paisagens.
 
Hoje ninguém pode dizer que não tem olho para a moda. A sua marca tem crescido de forma contínua em várias áreas: vestuário feminino e masculino, acessórios, casa e, mais recentemente, vestuário de criança. 
 
O percurso académico levou-o a seguir Arte e Design e, mais tarde, Controlo de Qualidade na Faculdade de Engenharia do Porto. Foi ali que se especializou em têxtil e, aos poucos, o gosto pela moda colou-se a si. A seguir veio a descoberta das matérias-primas. Em menos de nada estava a trabalhar numa empresa que reproduzia roupas que vinham do estrangeiro e, numa trajectória ascendente, o designer começou por desafiar a empresa a criar os próprios modelos. Passados dois anos, em 1988, criava a primeira colecção para mulher e a sua marca própria, Miguel Vieira. A partir daí, é a história que conhecemos. 
 
E onde é que Miguel Vieira vai beber inspiração? Em tudo. “Desde as coisas mais banais às mais complexas”, conta. É por isso que que o seu caderno de apontamentos é uma companhia assídua e constante. “O meu caderno dorme comigo todas as noites na mesa-de-cabeceira. Faço todo o tipo de anotações em qualquer sítio, de restaurantes a esplanadas, a pessoas em ruas e hotéis.” Miguel guarda religiosamente os seus rascunhos e no momento exacto em que começa a desenhar uma colecção recorre ao caderno para ir buscar inspiração. Depois trata das matérias-primas, em que a “elegância, na qualidade dos tecidos, no corte, na sobriedade e na imagem clean”, prevalecem, e tem sempre a atenção de fazer uma colecção adaptável a vários corpos e diferentes culturas pois a marca está espalhada por vários pontos do globo.
 
As conceituadas semanas de moda de Paris, Barcelona, Istambul, Sérvia e São Paulo foram alguns dos palcos por onde o estilista fez desfilar as suas colecções e onde consolidou uma estratégia de internacionalização que o coloca no centro de mercados de luxo. A de São Paulo, onde já apresentou três vezes as suas criações, é “especial”, porque além da dimensão do espectáculo é muito acarinhado na cidade. E, claro, a sua dupla nacionalidade, dado que a mãe é brasileira, também é um factor a ter em conta. Além das semanas da moda, o criador já participou em várias feiras internacionais e já foi galardoado com dois Globos de Ouro em Portugal. Também já aceitou o convite do Biography Channel para realizar a sua biografia e foi condecorado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
 
Apesar de a vertente internacional ser uma aposta ganha e representar 80% das suas vendas, Miguel Vieira não esquece as origens e o orgulho no seu país. O designer que coloca o seu nome em roupa, calçado, mobiliário e jóias afirma-se como um patriota que teve a oportunidade de construir carreira no estrangeiro, mas optou por permanecer em terras portuguesas. 
 
Uma das suas referências é o criador americano Tom Ford, também pelo envolvimento e pelo luxo que acompanham as suas criações. Em termos nacionais, gosta muito da primeira geração de designers, de que fez parte, e apoia muito os novos talentos. Para a colecção de Outono-Inverno 2015/16, Miguel Vieira apresenta no Portugal Fashion, na Invicta, uma colecção fiel à discrição e elegância, em que se respira luxo e minimalismo através das silhuetas muito justas e de jacquards, couros e lantejoulas. Na paleta de cores das propostas do criador português predominaram beges, castanhos, azuis e o negro, tons que conferiram sofisticação aos looks. As peças aparentemente simples casam com as décadas anteriores, alguns pormenores desportivos mas sempre com a base clássica que é a marca do criador nortenho.