Ladies and gentlemen, comecemos por coisas sérias – é para isso mesmo que a comédia serve. “You Laugh But It’s True”, já rezava o documentário de David Paul Meyer que conta a vida deste senhor: Trevor Noah, o comediante de 31 anos filho de mãe negra e pai branco, nascido e criado na África do Sul na era pós-apartheid, com todos os dilemas inerentes a um clã misto, para não falar da dificuldade em arrancar gargalhadas a um país com muita ferida por cicatrizar. Riam-se à vontade, que o que se segue é capaz de ser verdade: nos próximos meses passaremos mais tempo a discutir cores de pele que competências humorísticas. “Este país perdeu tantos anos a discutir se o cidadão americano que se tornou presidente era realmente americano. Que vamos fazer com Trevor Noah?”, interroga a Salon.
Se isto acontecer, descontraiam porque pode ter piada. “Vocês sabem como os suíços gostam de chocolate”, disse uma vez Noah a propósito das suas origens. E pronto. O resto do repertório costuma revisitar estereótipos americanos, em particular o fraco conhecimento dos yankees do que se passa em África.
Aconteça o que acontecer, Trevor vai mesmo render Jon Stewart ao leme do satírico “The Daily Show”, uma vez anunciada a saída do apresentador, em Fevereiro, depois de 16 anos à frente do programa. A grande questão era saber se a escolha do sucessor passaria pela prata da casa ou se o nome seria recrutado fora da equipa – equipa a que Noah se juntou em 2014, apesar de ser um ilustre desconhecido para a maioria dos espectadores (rubricou apenas três aparições).
Entretanto, nas redes assistiu-se à habitual troca de elogios. “Ninguém pode substituir Jon Stewart. Mas em conjunto com a equipa do ‘The Daily Show’ continuaremos a fazer o melhor programa de notícias”, escreveu o eleito no Twitter, depois de Stewart manifestar o seu entusiasmo pela escolha da estrela saída do Soweto, que em 2002, com 18 anos, conquistava um lugar de destaque numa novela na África do Sul, “Isidingo”. Pouco depois assumia os microfones da rádio com o programa “Arca de Noah”, voltando a conduzir formatos de variedades e cerimónias de prémios na televisão. Em 2010 concentrava-se em exclusivo na comédia, actuando ao lado de uma série de nomes sul-africanos.
“O principal objectivo da comédia é fazer as pessoas rir. Tudo o mais que consigas é um bónus. Alguns comediantes querem fazer rir e pôr as pessoas a pensar em assuntos socialmente relevantes, mas a verdadeira natureza da comédia é fazer rir. Se as pessoas não se riem, não é comédia”, definiu em entrevista à “Variety” em 2013.
Foi em 2012, data do premiado documentário de David Paul Meyer, que Noah, o homem que segundo a Atlantic tornará o formato “mais jovem, mais negro e mais global”, se estreava na televisão norte-americana, e logo no “The Tonight Show with Jay Leno”, a que se seguiu o “Late Show” com David Letterman, tornando-se o primeiro comediante sul-africano a participar em ambos os formatos fora de horas. Nesse mesmo ano, no festival Fringe, em Edimburgo, a plateia esgotou o seu espectáculo a solo “The Racist”, um dos mais falados na edição desse ano. No seu site, a agenda rebenta pelas costuras. Noah actua hoje para uma sala esgotada em Oman, e nos dias seguintes as lotações seguem esta tendência. A digressão segue a sua marcha pelos EUA. Em Junho aterra em Joanesburgo, e até ao final de Outubro fará um périplo britânico. Falta acertar a data para a transição de papéis, que, segundo a Comedy Central, deverá ocorrer até ao final do ano.
Em palco, registado em DVD (“It’s My Culture”, “African American”, 2013), ou frente às câmaras, espere-se subversão quanto baste por parte do anfitrião que fala seis idiomas africanos, e ainda inglês e alemão – e que se encontrava no Dubai quando soube que um das vagas mais disputadas era sua (“Nessa altura precisas de uma bebida forte, mas infelizmente estás num sítio onde o álcool é proibido”).