Antes de se emocionar, já tinham passado mais de quatro horas de audição na comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao BES, Carlos Costa ainda teve tempo para repetir algumas explicações e para desmontar a teoria de Ricardo Salgado de que a medida de resolução decidida pelo supervisor teria provocado a revogação da garantia do BES Angola (BESA) – e consequentemente o buraco de 3,3 mil milhões referentes ao crédito concedido pelo BES ao BESA.
Quando esteve perante os deputados da CPI, no dia 9 de Dezembro de 2014, Salgado afirmou que “a passagem dos activos do BESA para o banco mau acabou por caracterizar a garantia do governo de Angola como uma garantia tóxica”. O antigo banqueiro justificava assim a revogação da garantia no dia 4 de Agosto, um dia após a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo. Só que Carlos Costa revelou ontem que o Banco Nacional de Angola – o supervisor do sistema financeiro naquele país – deliberou “no dia 1 de Agosto, dois dias antes da aplicação da medida de resolução ao BES”, a “exclusão de determinados créditos do âmbito da garantia concedida pelo Estado Angolano”, entre outras medidas. “Esta informação indicava claramente uma perda parcial do crédito do BES ao BESA ainda antes da medida de resolução aplicada ao BES, como foi aliás reconhecido em várias audições nesta Comissão”, rematou o governador.
Numa audição marcada por poucas novidades, foi um Carlos Costa visivelmente cansado que respondeu, muitas vezes de forma um pouco confusa, às perguntas dos deputados, que nas primeiras horas se centraram sobretudo no problema do papel comercial subscrito por clientes do BES. O governador repetiu que o Novo Banco não pode assumir as perdas dos investidores deste produto, sob risco de estar a cometer uma ilegalidade. “O reembolso de dívida GES é da exclusiva responsabilidade dos respectivos emitentes, pelo que não estando em causa dívida do BES e nunca poderia verificar-se a transferência dessa responsabilidade para o Novo Banco”, explicou.
“A hipotética atribuição ao Novo Banco de responsabilidades pelo pagamento de dívidas que não cabiam ao BES pagar, à data da aplicação da medida de resolução, constituiria um incumprimento da obrigação legal de respeito da hierarquia de credores do BES, colocando os titulares da mesma em posição mais favorável do que os credores subordinados do BES”, sublinhou ainda o responsável. Que não deixou de lembrar que “resultando daí prejuízos para o Fundo de Resolução, estes teriam que ser absorvidos pelas instituições que nele participam e, temporariamente, teriam reflexo nas contas do Estado”.
Mas ainda assim, tentou deixar um conselho aos clientes. Carlos Costa acredita que se devem assumir como credores para poderem ser incluídos na reclamação de créditos, e depois disso tentar negociar uma solução comercial com o Novo Banco. “Os detentores de papel comercial do GES têm o direito de reclamar créditos sobre as massas insolventes das entidades emitentes”, ou seja, da ESI e da Rioforte, afirmou o governador do regulador. Ambas as entidades estavam sedeadas no Luxemburgo e foram declaradas insolventes no final do ano passado. “É muito importante que os detentores exerçam os seus direitos” para depois se poder procurar um comprador, sendo que o Novo Banco pode ser um deles. “Em função do valor esperado de recuperação desses créditos, o Novo Banco pode desenvolver iniciativas comerciais junto dos clientes, através das propostas de compra de papel comercial que tenham em conta o seu valor de mercado e, desse modo, conceber propostas que valorizem esse papel e atenuem as perdas decorrentes dos investimentos realizados pelos clientes”.
Na mesma ocasião, e em resposta a Fernando Negrão que, citando Herberto Helder – “Não sei como dizer-te que minha voz te procura” – perguntou a Carlos Costa se há disponibilidade do supervisor “para receber e negociar com as várias associações [de lesados]?”, o governador respondeu positivamente, dizendo que sempre foi essa a indicação dada à equipa do Banco de Portugal.
O responsável referiu ainda, sobre o assunto, e em jeito de desabafo, que no último fim-de-semana sofreu uma das maiores “ofensas” da sua vida, ao ser chamado de “gatuno” por um grupo de clientes de papel comercial que se manifestaram à sua porta. “Eu não roubei nada a ninguém. O Banco de Portugal não roubou nada a ninguém”, exclamou. “O Banco de Portugal salvou a estabilidade financeira deste país. Se o BdP se tivesse acobardado [no início de Agosto], este país estaria muito mal. Não foi isso que aconteceu. Há uma lógica e uma dinâmica que temos que perceber. As pessoas, quando assumem riscos, tem que perceber que o risco é inerente à aplicação financeira”, concluiu.
Investigações terminam em 2016 Carlos Costa revelou ainda, durante a sua audição, que o Banco de Portugal tem em curso várias investigações sobre a gestão do Banco Espírito Santo, e que estas deverão estar finalizadas no final de 2015, ou no limite, no início do próximo ano. Estão “em curso investigações ao incumprimento a determinações específicas de ring fencing”, disse o responsável, explicando que em causa estão as relações com o BES Angola e a “avaliação da legalidade” das acções entre o BES e a sociedade suíça Eurofin. Na mesma ocasião, o governador afirmou que “existe a expectativa de que as respectivas fases de investigação sejam concluídas no final de 2015, ou início de 2016” e que, se se confirmarem as ilegalidades, “serão deduzidas acusações aos respectivos responsáveis”.
Questionado sobre as relações entre BES e BESA, Carlos Costa continuou a rejeitar quaisquer responsabilidades no que se refere à regulação ou supervisão ao BES Angola. “Questionaram como poderia o Banco de Portugal não saber o que se passava no BESA?”, perguntou retoricamente o responsável, explicando de seguida que o Banco de Portugal não tem mandato ou responsabilidade sobre aquela instituição, que responde ao supervisor angolano.
BES. Carlos Costa desmonta tese de Salgado sobre Angola
Governador do Banco de Portrugal aconselha lesados do papel comercial a reclamarem no Luxemburgo.