“A virtude está no meio – nunca nos extremos.” É um sofisma budista que se aplica a tudo na vida e que resume com eficácia o encontro entre Angela Merkel e Alexis Tsipras em Berlim. Num momento em que as chancelarias europeias estão a ficar sem paciência para aturar a ambiguidade e os devaneios da dupla Tsipras/Varoufakis e a Grécia volta a correr o risco, pela enésima vez, de ficar sem dinheiro para pagar a credores e aos funcionários públicos e pensionistas, Merkel e Tsipras poderão ter encontrado ontem o início de um caminho comum.
Não podemos dizer que seja um caminho definitivo porque a chanceler alemã não se comprometeu com nada, mas o tom conciliatório que marcou a cimeira aponta para uma mudança de paradigma na relação entre a Grécia e a União Europeia. Um tom conciliatório que ficou marcado pela vontade de ambos os chefes de governo de combaterem os estereótipos xenófobos que os seus povos têm um do outro: os alemães nazis vs. os gregos preguiçosos.
Escrevo Grécia antes de União Europeia porque a responsabilidade de mudar de atitude cabe a Alexis Tsipras – como ontem foi aliás notório. Foi um Tsipras mais humilde aquele que vimos em Berlim. Um Tsipras que fez o seu papel habitual de criticar os programas de ajustamento dos últimos cinco anos, de constatar os falhanços na gestão da dívida e os números colossais do desemprego, mas um Tsipras que foi capaz de assumir, e logo em Berlim, que os gregos têm uma quota-parte importante na crise económica que aflige a Grécia desde o final da década passada.
Tentando claramente seduzir a opinião pública alemã, o primeiro-ministro grego fez questão de referir que a evasão fiscal e a corrupção são dois dos grandes problemas da sociedade grega e que existe um compromisso claro do governo do Syriza de combater esses dois flagelos com reformas que promovam o crescimento económico e uma maior justiça social, que permita pagar a dívida pública grega.
São apenas palavras, mas que podem revelar a vontade política de chegar a um acordo. Pode ser o início de uma Primavera de Berlim.
Não terá sido por acaso que Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu (BCE), afirmou minutos antes da conferência de imprensa de Merkel e Tsipras que admite voltar a aceitar dívida pública grega como colateral – medida que podia ajudar a financiar a banca grega e que o governo grego tem vindo a reclamar desde que em Fevereiro o BCE fechou a torneira. Mais: Draghi assumiu pela primeira vez que o BCE pode comprar dívida pública grega no âmbito do novo programa Quantitative Easing. Mas exige o mesmo a todos os líderes europeus: a Grécia tem de apresentar uma lista credível de reformas.
Os gregos vão voltar a reclamar na reunião desta semana do Eurogrupo a libertação de parte da tranche de 7 mil milhões de euros que está pendente da conclusão da última avaliação da troika e o pagamento pelo BCE dos lucros que os bancos centrais europeus tiveram com a compra e venda de dívida pública grega. Só assim conseguirão pagar 1,5 mil milhões de euros aos credores e os salário e as pensões dos gregos no final deste mês. Se a Europa atribuir essa ajuda de emergência aos gregos por uma destas vias, poderemos dizer que a Primavera de Berlim tem futuro.