James Foley. Nunca fugiu da dignidade até ao fim


Foi o primeiro cidadão norte-americano a ser morto pelo Estado Islâmico. Detido durante mais de 20 meses, as conversações para a sua libertação esbarraram sempre na recusa dos Estados Unidos em negociar com terroristas. Não podia haver resgates, não podia haver trocas de prisioneiros, não podia haver margem para esperança. Excepto se tentasse fugir. E…


Foi o primeiro cidadão norte-americano a ser morto pelo Estado Islâmico. Detido durante mais de 20 meses, as conversações para a sua libertação esbarraram sempre na recusa dos Estados Unidos em negociar com terroristas. Não podia haver resgates, não podia haver trocas de prisioneiros, não podia haver margem para esperança. Excepto se tentasse fugir. E foi isso que James Foley tentou, duas vezes, no início. A revelação foi feita esta semana pelo espanhol Javier Espinosa, um dos elementos que estiveram detidos no mesmo grupo, numa extensa reportagem publicada pelo “El Mundo”.

O que falhou? A incapacidade de fugir também à dignidade, mesmo numa situação em que a linha que separa o bom do inaceitável pode estar muito desfocada. As palavras são de Javier Espinosa: “James Foley e John Cantlie tentaram escapar duas vezes. A primeira foi um verdadeiro fracasso, já que foram apanhados na cela a tentar libertar-se das algemas com um canivete que tinham improvisado. Na segunda, o norte-americano [Foley] demonstrou o seu enorme carácter. Depois de ter conseguido escapar da cela onde estavam presos, manteve-se agarrado a um cobertor à espera de Cantlie. Mas o britânico tinha sido apanhado. O Foley poderia ter continuado mas preferiu entregar-se. ‘Não podia deixá-lo sozinho cá’, disse.”

James Foley sabia demasiado bem o que era perder alguém com quem trabalhava. Em 2011 foi raptado na Líbia e ficou preso 44 dias. Durante a captura de quatro jornalistas, um deles [Anton Hammerl] morreu. “Quando o vi caído, ali morto, foi como se tudo tivesse mudado. O mundo inteiro tinha mudado”, contou após regressar aos Estados Unidos. Foi também nessa altura que deixou uma primeira impressão do que é estar em cativeiro. “Passas por emoções muito diferentes. Não queres ser definido como aquele gajo que foi capturado em 2011. Acho que o jornalismo na linha da frente é importante. Sem ele não podemos contar ao mundo até que ponto é má a situação.” Por isso mesmo não tardou a voltar a cenários de guerra.

Um ano e meio depois, a 22 de Novembro de 2012, James Foley voltou a ser raptado, agora na Síria, perto da fronteira com a Turquia, quando estava a sair de um café com o seu tradutor e também jornalista John Cantlie. O norte-americano de 39 anos já conhecia a experiência, mas dessa vez o destino seria diferente. E as tentativas de fuga ajudaram a fazer deles os brinquedos favoritos dos guardas, especialmente Foley, por ser dos Estados Unidos e por, nas palavras de Espinosa, “aguentar as torturas de forma estóica”. “Estiveram a assassinar-nos durante semanas até compreender que nos tínhamos rendido, que nunca mais íamos tentar fugir”, confessou John Cantlie ao espanhol.

O grupo de reféns fazia o possível por dar uso ao tempo. Quando o dinamarquês Daniel Rye Ottosen foi libertado em Junho de 2014, sentiu a responsabilidade de transmitir a mensagem que Foley o tinha feito memorizar para a família. “Estamos 18 presos e isso é algo que tem ajudado. Temos conversas de horas sobre filmes, curiosidades, desporto… Já criámos jogos a partir de coisas que encontramos na cela, já arranjámos maneira de jogar damas, xadrez, e organizamos torneios, depois de passarmos horas a preparar estratégias. Tudo isto faz com que o tempo passe e tem sido uma grande ajuda. Repetimos histórias e rimos para quebrar a tensão. Já tive dias bons e maus. Ficamos felizes quando alguém é libertado, mas, claro, desejamos a nossa. Encorajamo-nos para nos mantermos fortes”, dizia, entre mensagens emocionadas para os vários membros da família. O último destinatário era a avó: “Por favor, toma todos os teus medicamentos, passeia e continua a dançar. Conto levar-te ao Margarita quando voltar. Mantém-te forte porque vou precisar da tua ajuda para recuperar a minha vida.”

Nunca o conseguiu. James Foley foi decapitado peloEstado Islâmico a 19 de Agosto de 2014, uma semana depois de a família ter recebido um email dos sequestradores a acusar o governo norte-americano pela ausência de colaboração nas negociações. O primeiro grupo de detidos está desmantelado e Javier Espinosa sentiu que esta era a altura para falar, uma vez que, de todos os reféns que conheceu, 15 já foram libertados. Seis executados e um morto durante um bombardeamento. O único cujo destino continua por descobrir é o de John Cantlie, o amigo de James Foley que o norte-americano não quis deixar para trás.