Tinha tudo para dar mau resultado. Num país de população maioritariamente católica, Kolinda Grabar-Kitarovi?, ela própria uma crente confessa, deixou apreensivos muitos dirigentes da sua União Democrática da Croácia (HDZ), ao arriscar uma resposta frontal sobre homossexualidade quando podia – bem ao jeito da velha retórica política – ter fugido ao tema. Se um filho seu se assumisse gay, ela estaria lá para dar todo o apoio que fosse preciso. E disse mais. Em plena campanha presidencial, Grabar-Kitarovi? explicou aos croatas que a legalização da marijuana não está fora do seu horizonte e que o direito ao aborto é uma escolha da mulher. A estratégia podia ter corrido muito mal. Mas não correu.
Em Janeiro, com 46 anos, Kolinda Grabar-Kitarovi? foi eleita a quarta presidente da Croácia desde o fim da guerra pela soberania. Mas a idade passa até despercebida num país dado a eleger chefes de Estado bastante jovens. Mais significativo é o facto de ser a primeira mulher no topo da hierarquia do Estado. Mas a política só chegou já adulta.
As memórias de infância escondem hoje o trauma que o fim da adolescência acabaria por revelar. Uma “criança da natureza”, Kolinda recorda os “vastos campos” e “o céu azul sem fim” dos arredores da protegida cidade de Rijeka, a 160 quilómetros da capital Zagrebe. Quando a mãe engravidou, o pai esperava que dali viesse o seu filho varão. Nasceu Kolinda, uma menina que subia às árvores com habilidade e que se lançava sem medo às águas profundas e geladas do rio Rje?ina como poucos rapazes. Numa vila cheia de rapazes, era habitual acabar a tarde a jogar à bola, e não resistia a saltar de poça em poça para não perder a corrida com os amigos. O comportamento à “maria-rapaz” mereceu-lhe o reparo da mãe. “Ela gritou comigo porque não adequado, eu era uma garota.” Não aceitou – nem da mãe nem de ninguém – que lhe levantassem barreiras simplesmente por ser “rapariga”. Não ficaram mágoas do episódio. “A minha mãe é a minha heroína, foi a única que alimentou as minhas ambições.”
Aos 18 anos, ainda não era o tempo da política. Viajou sozinha para o Novo México, nos Estados Unidos, para frequentar o ensino secundário fora do país, e essa opção colocou-a no papel de observadora externa na crescente tensão do conflito que a Croácia viria a disputar contra os rebeldes sérvios. Mas, quando a guerra estala, no início dos anos 90 – obrigando meio milhão de croatas a procurar refúgio dos ataques sérvios, antes da chamada “limpeza étnica” –, Kolinda Grabar já tinha regressado a Zagrebe. Na memória da então estudante universitária ficaram gravadas as imagens de um país em guerra e de veteranos que pegaram em armas para defender as fronteiras croatas. Foi nessa altura que juntou ao inglês o discurso fluente em espanhol e português.
O tempo da política também tinha chegado. Franjo Tu?man conduziu a Croácia para o fim da guerra e inspirou Kolinda a inscrever-se na União Democrática da Croácia em 1991. Treze anos mais tarde, já depois de casar com Ivo Josipovic, Grabar-Kitarovi? chega ao governo para assumir responsabilidades directas no processo de integração croata na UniãoEuropeia, até 2005. Logo a seguir, ainda num governo de Ivo Sanader, recebe a pasta da Diplomacia, que lhe oferece palco ainda maior para o exterior e a empurra directamente para a embaixada croata nos Estados Unidos em 2008, a tempo de evitar a derrocada do governo, um ano mais tarde – Sanader seria julgado e condenado a dez anos de prisão por crimes de corrupção. O regresso à Europa levou Grabar-Kitarovi? até Bruxelas, em 2011, para as funções de secretária-geral assistente da NATO (também ali foi a primeira mulher no cargo). Mas “a pátria é a âncora” que a obrigou a regressar.
No ano passado, partiu para a corrida presidencial com fracas hipóteses de alcançar a vitória frente a um muito preferido Ivo Josipovic. Mas o peso que o social-democrata carregava consigo – muito conotado com um governo incapaz de animar a economia estagnada da Croácia – ajudou Grabar-Kitarovi? a pôr fim a 15 anos de presidência de centro-esquerda. E chegou com estrondo.
A figura do presidente da República na Croácia é semelhante à portuguesa: cabe-lhe um papel de observador privilegiado sobre a gestão executiva do país. Só que a nova presidente quer fazer mais do que observar. Logo após a vitória exigiu sentar-se à mesa com o governo e saber que medidas concretas o executivo tem em mente para pôr a economia a crescer rapidamente. Nunca um presidente o tinha feito até agora.
Mas depois de alcançar o mais alto cargo do Estado croata, Kolinda Grabar-Kitarovi? volta às origens. “A família sempre vem em primeiro lugar, é a base de tudo.”