Hirochi Robaina, neto e herdeiro “do” império de charutos cubanos, está em contagem decrescente para tomar de assalto as lojas norte-americanas assim que o fim do embargo o permitir. Don Alejandro Robaina não viveu o suficiente para ver este dia mas dedicou toda a sua vida a uma das mais emblemáticas, preciosas e desejadas exportações cubanas – ao ponto deKennedy só ter assinado o embargo depois de encher a despensa com 1200 charutos… Comecemos por aí
Meses depois do desastre da baía dosPorcos, John F. Kennedy liga para Pierre Salinger, então porta-voz do governo dos EUA. “Preciso de ajuda… preciso de charutos”, disse-lhe. “De quantos é que precisa?”, questionou Salinger. “Mil.” E para quando?“Até amanhã de manhã.” Salinger, que também fumava charutos, activou os contactos. “Liguei para as lojas que frequentava.”No dia seguinte, “logo às 8h da manhã”, Salinger já estava a ser chamado à Sala Oval. “Entra, entra… Conseguiste?”perguntou Kennedy. “Sim, comprei 1200 charutos.”
“Fantástico!” Acto contínuo o presidente “abriu a gaveta da secretária, tirou um decreto a banir todos os produtos cubanos do mercado norte-americano e assinou-o”. Orelato é do próprio Sallinger, num testemunho em vídeo que deu pouco antes da sua morte e descoberto recentemente. Estávamos em Fevereiro de 1962 e o embargo a Cuba tornava-se oficial. Os fãs de um bom cubano nos Estados Unidos, – à excepção de JFK – ficaram condenados a mudar as preferências ou a procurar o mercado negro. Longe estariam de imaginar que mesmo 53 anos depois do início do embargo os charutos cubanos continuariam proibidos. Agora há luz ao fundo do túnel… ou antes, fumo branco: “habemus sigarum” está prestes a ser anunciado nos EUA.
A 17 de Dezembro de 2014, Barack Obama anunciou o início do fim do embargo e a redução gradual das restrições ao isolamento. Por ora, os americanos que visitarem Cuba apenas poderão trazer até um máximo de 100 dólares em charutos, mas foi um primeiro e curto passo para os apreciadores:os 100 dólares só dão para dois charutos, longe de servir para acalmar um vício.
Mas o anúncio do fim do embargo já pôs a indústria do tabaco cubano a mexer, sobretudo na família Robaina, dedicada à produção de charutos desde 1845 e com a sua própria marca desde 1997, poucos anos depois de Don Alejandro Robaina (1919-2010) ter sido considerado o melhor produtor de tabaco do país, merecendo por isso a honra de se tornar o único produtor cujo nome alcançou o estatuto de marca ainda no seu tempo de vida. Dedicado aos charutos desde os 10 anos, e fumador ainda antes disso, herdou a plantação do pai, Maruto Robaina, assegurando a partir de então uma qualidade ímpar para as folhas que saíam das plantações da família. Oseu nome ficou rapidamente associado aos charutos de maior qualidade que Cuba produzia, dando-lhe fama e estatuto suficiente para resistir à fúria revolucionária da Cuba castrista:“Expliquei ao Fidel que a nossa forma produtiva era a melhor.
Disse-lhe que não gostava de cooperativas ou de quintas estatais e que a melhor forma de produzir tabaco era a familiar. Ele queria que nos associássemos a uma cooperativa e eu disse-lhe: ‘Não!’ Não o faria e ia continuar a trabalhar com a minha família. No final ele percebeu”, relatou Don Alejandro em 2006, numa entrevista à “CigarAficionado”.
Em 2009 foi diagnosticado cancro ao“deão do tabaco cubano”, como lhe chamou então aquela revista especializada. Morreu no ano seguinte, com 91 anos. Mas Don Alejandro há anos que já tinha resolvido a sucessão:Hirochi Robaina, hoje com 39 anos, lidera a VegasRobaina desde 2003 e agora prepara-se para levar a empresa para uma nova etapa, impensável para o seu avô:a invasão cubana dosEUA. Este mercado gasta qualquer coisa como 11 mil milhões de euros por ano em charutos, incluindo alguns Robaina, mas não “os”Robaina:para contornar o embargo, a empresa lançou nos EUA charutos com tabaco da Nicarágua, que, todavia, ninguém vende como se fossem “iguais” ou “idênticos”, evitando assim cair na triste figura daquelas empresas que impingem bebidas sem açúcar, cafeína ou álcool como algo igualmente bom. No que toca aos charutos, o respeito pelo original é sagrado e isso começa pelo preço:um Robaina com tabaco da Nicarágua vale cerca de 20 dólares e um cubano verdadeiro nunca menos de 35. Para preparar o fim do embargo, Hirochi tem-se multiplicado em visitas aos EUA. “É recebido nas lojas especializadas da 5.aAvenida como uma rock star e até distribuiu autógrafos”, conforme conta a “Bloomberg”. O caminho até a invasão estar concluída será longo, e ninguém espera que o mercado mude da noite para o dia, até porque há que contar com a resistência (e o lóbi) dos produtores que ganharam com o embargo – da RepúblicaDominicana e da Nicarágua –, mas o que não falta são projecções:25% a 30% do mercado dos EUAcairá para os cubanos de imediato e até 70% a médio prazo. Agora só o tempo dirá se as projecções estão certas. Por falar em tempo, uma curiosidade para acabar onde começámos:se Kennedy tivesse sobrevivido até hoje, o stock que acumulou antes de assinar o embargo ter-lhe-ia dado para fumar quase dois cubanos por mês nos últimos 53 anos. É bom ser presidente – e, por falar em presidentes e charutos, note-se que quase conseguíamos acabar sem falar de “Clinton” e “Lewinsky”, mas pronto, foi mais forte que nós.