Velhos, brancos e maus. Na verdade, Ava DuVernay nunca teve hipótese


Os factos são o que são. Os Óscares não eram tão brancos desde 1996, ano em que “Braveheart” ganhou a estatueta de Melhor Filme. Outro facto: este ano, todos os realizadores e argumentistas nomeados são homens. Talvez por isso custe tanto a ausência do nome de Ava DuVernay, a mulher que, se tivesse sido nomeada,…


Os factos são o que são. Os Óscares não eram tão brancos desde 1996, ano em que “Braveheart” ganhou a estatueta de Melhor Filme. Outro facto: este ano, todos os realizadores e argumentistas nomeados são homens. Talvez por isso custe tanto a ausência do nome de Ava DuVernay, a mulher que, se tivesse sido nomeada, seria a primeira afro-americana a sê-lo na categoria de Melhor Realizador

Falta aqui um nome. Angelina Jolie sussurra-o ao ouvido de Brad Pitt. As luzes já se apagaram no Dolby Theatre e as caras dos cinco nomeados para Óscar de Melhor Realizador desfilam na tela branca. Mas falta aqui um nome. Amal, nome de solteira Alamuddin, sussurra-o ao ouvido do marido, George Clooney. O envelope selado está prestes a ser aberto e Oprah Winfrey fecha as mãos, em forma de punho, enquanto pensa que falta ali um nome. É o de Ava. Ava DuVernay, realizadora do biopic sobre Martin Luther King. Ava, que dirigiu “Selma”, o filme que conta a história da marcha épica até Montgomery que obrigou o presidente Lyndon B. Johnson a assinar a Lei dos Direitos de Voto em 1965, que proibia os testes de alfabetização e os impostos que negavam a alguns cidadãos negros o direito ao voto.

É essa Ava, que nasceu no Verão de 1972 e cujo pai assistiu à marcha no Alabama, que devia estar a fazer história este domingo, na noite dos Óscares. Mesmo que perdesse a estatueta para Alejandor Gonzalez Iñárritu e o seu “Birdman”, DuVernay seria a primeira mulher afro-americana, em 87 anos de cerimónias, a ser nomeada para o Óscar de Melhor Realizador. A realidade é muito menos glamorosa que o desfile no tapete vermelho e há factos que preferiríamos ignorar: em 87 anos, só quatro mulheres foram nomeadas para esta categoria. O que tem corrido mal? Há várias correntes de pensamento.

Ava nunca acreditou que fosse nomeada. Ou talvez acreditasse, mas tenha evitado dizê-lo em voz alta para que a decepção fosse menor. Um seguidor da programação neurolinguista – que acredita que pensar e falar positivamente nos leva aonde quisermos – dirá que foi a própria negação de Ava que lhe roubou o prémio. Mas outros, os que se apoiam em dados estatísticos, dirão que foi o retrato dos membros da Academia com direito a voto que lhe roubou o chão: 94% são brancos, 76% são homens e a idade média é de 63 anos. Não é exactamente o público-alvo de “Selma”.

O último motivo, em formato de teoria da conspiração, prende-se com a forma como Ava retratou o presidente LBJ e que irritou muita gente: um presidente relutante em apoiar Luther King, um presidente com pouca vontade de dar direito de voto aos negros americanos, que pôs o FBI a farejar a vida de King e que achava que enquanto Chefe de Estado tinha coisas mais importantes para resolver do que lidar com questões raciais.

“Eu não quis fazer um filme sobre o salvador branco” – respondeu Ava às críticas. “Nós não precisamos de ser salvos. Eu quis fazer um filme centrado nas pessoas de Selma.” Mas Ava, que contou com Oprah como produtora do filme, reescreveu a história? “Dizer que LBJ sempre apoiou a luta dos negros é não conhecer a história. Cada um vê a história através das suas lentes e é assim que eu a vejo, através das minhas. É a minha visão. Isto não é um documentário. Eu não sou uma historiadora, sou uma contadora de histórias.”

Numa entrevista ao “60 Minutes”, da CBS, Ava conta que um dos momentos mais emocionantes foi quando a ponte onde vários manifestantes foram espancados pela polícia – e que ainda hoje se chama Edmund Pettus Bridge, um grande dragão do Ku Klux Klan – foi fechada ao público. “Ele [Pettus] deve estar a dar voltas na campa e a pensar: “O que correu mal? O que correu mal?””

Quando a confrontam com a falta de nomeação, a resposta de Ava – que foi jornalista, desiludiu-se com a profissão, trocou-a pela publicidade e acabou a realizar filmes – é sempre a mesma. “Nunca acreditei que fosse nomeada, por isso não me custou. O que me doeu foi não terem nomeado David Oyelowo.”

Oyelowo – que interpreta King no filme – foi outra das ausências nas nomeações que chocou a América. E assim que os nomeados foram conhecidos, a hashtag #OscarsSoWhite invadiu o Twitter. Em 20 actores de quatro categorias, não havia um único não branco. Entre os realizadores, a única excepção era o mexicano de “Birdman”, o filme que marca o comeback de Michael Keaton.

Conclusão: domingo, noite de Óscares, as únicas estatuetas que “Selma” pode arrebatar são a de Melhor Banda Sonora – já ganhou o Globo de Ouro correspondente – e a de Melhor Filme. (Como é que a Academia nomeia um filme para esta categoria se acha que nem realizador nem actores são dignos de nomeação?) A história não ajuda Ava a acreditar na vitória. A única vez que o Óscar de Melhor Filme foi atribuído a uma película sem qualquer outra nomeação foi em 1932, a”Grand Hotel”, de Edmund Goulding. E este domingo o mais provável é vermos esse Óscar ser entregue – e merecidamente – ou a “Boyhood”, filme que levou 12 anos a filmar, ou a “Birdman”.

Sobre a imensa branquidão no Dolby Theatre, resta-nos esperar que o anfitrião Neil Patrick Harris não se coíba de apontar o ferrão. Assim como assim, já o fez. A 2 de Fevereiro postava no Twitter uma imagem de grupo onde se vêem os nomeados de 2015. A legenda? “They all look so white! #toosoon.”J