O negócio principal são os bombons de chocolate. E, como todos os oligarcas que nasceram como cogumelos com a queda do império soviético, em 1990, também Poroshenko aproveitou bem o caos das novas repúblicas para fazer uma fortuna a partir de um pequeno negócio de grãos de cacau. Com a independência da Ucrânia, em 1991, Poroshenko, o homem que agora é presidente, comprou várias confeitarias e, em poucos anos, já era não só um dos dez homens mais ricos do país, como o rei do chocolate. Mas o império de Poroshenko vai além disto. Chegou aos automóveis, aos estaleiros navais, à banca e, claro, à comunicação social. Tem o canal 5 e vários jornais por sua conta. E controla tão bem os media que dispensou fazer campanha eleitoral nas presidenciais de 2014. Os seus homens e mulheres nos jornais e na televisão fizeram o trabalho de forma eficaz e Poroshenko ganhou as eleições, com 56% dos votos, à sua velha inimiga Yulia Timoshenko, a loira de trancinhas, acabada de sair da prisão para onde a tinha mandado o presidente deposto pela revolta da Praça Maidan.
Esta rebelião, que o Ocidente acompanhou, como de costume, muito emocionado, começou formalmente com a recusa do então presidente Yanukovich em assinar um acordo de associação com a União Europeia. Pressionado por Moscovo, que não quer a NATO nem Bruxelas nas suas fronteiras, Yanukovich preferiu um acordo com a Rússia e, a partir daí, viu a multidão encher a Praça Maidan, pedindo a sua cabeça. Mas isto de manifestações espontâneas num país dividido entre os que amam e os que odeiam os russos tem muito que se lhe diga. E na praça juntaram-se democratas, claro, que também os há num país que chegou à democracia em 1991; fascistas, que também os há num país que foi ocupado por nazis e soviéticos à vez; nazis puros e duros, armados até aos dentes e organizados em brigadas disciplinadas; e, claro, muito dinheiro.
E quem abriu os cordões à bolsa para chegar ao poder foi, nem mais nem menos, Petro Poroshenko. Muitos milhões para organizar e manter pelo tempo que fosse necessário um protesto que tinha como único objectivo derrubar Yanukovich e tudo o que ele representava: a aliança com os russos. Poroshenko escondeu-se atrás do dinheiro e deixou o protagonismo da praça para outras figuras menores da política ucraniana.
O golpe final na revolta foi o massacre de dezenas de pessoas cuja autoria ainda hoje é um mistério. Mas as mortes foram o toque de finados para Yanukovich, que teve de fugir de Kiev debaixo de fogo, passou por Donetsk, sua região natal, e acabou refugiado na Rússia. Com os ministros do governo provisório escolhidos pela multidão da Praça Maidan, surgiu então, vindo das sombras do dinheiro, o rei do chocolate com a sua candidatura presidencial. Pelo caminho afastou outro potencial rival, o pugilista Viteli Khitschko, muito popular na praça, que desistiu da candidatura a troco da presidência da câmara de Kiev. Para que nada impedisse uma vitória que já lhe tinha custado muito dinheiro, Poroshenko ainda tentou convencer Yulia Timoshenko, sua inimiga de estimação, a desistir da candidatura. Mas a loira de trancinhas, acabada de sair da prisão em cadeira de rodas, não esteve pelos ajustes. Yulia não esquecera o que lhe tinha feito Poroshenko quando era o braço-direito do presidente Yushchenko, o tal que acusou a Rússia de o ter tentado matar com doses industriais de uma dioxina violenta, e ela era primeira-ministra. A loura oligarca recusou o assédio do rei do chocolate e avançou para a candidatura presidencial. Claro que foi amplamente derrotada e Poroshenko chegou, aos 50 anos de idade, a presidente da Ucrânia.
E porque é que este homem rico e pró-ocidental, inimigo de estimação da Rússia, também é conhecido entre os seus cidadãos, em particular no leste pró-Rússia, como um camaleão? Por uma razão simples. Ao longo dos curtos anos da democracia ucraniana, Poroshenko andou sempre a jogar em todos os tabuleiros, não só para proteger e alargar os seus múltiplos negócios, como para chegar ao poder. Por isso, foi ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio e Desenvolvimento. Por isso, foi governador do banco central; por isso, montou a Roshen, a holding que controla os seus negócios. Por isso, foi um dos fundadores do Partido das Regiões, o partido dos pró-Rússia das regiões de Donetsk e Lugansk que hoje estão de armas na mão contra Poroshenko.
E é camaleão porque apareceu na campanha eleitoral como o campeão da luta contra a corrupção. Uma graça de mau gosto para quem fez fortuna com a democracia e a queda do império soviético, uma graça de mau gosto num país de oligarcas corruptos. E Poroshenko, um dos dez homens mais ricos da Ucrânia, bem pode dizer que o dinheiro não é cinzento, branco ou preto. No caso dele, é mais castanho e, se é contra a corrupção, nada fez até hoje para alterar um estado de coisas que faz parte integrante do Estado ucraniano.
Poroshenko é um senhor de porte atlético muito respeitável. E a sua voz está de acordo com o físico. Mas a realidade é sempre uma malvada que estraga todos os efeitos especiais da propaganda. Mal foi empossado presidente, a 7 de Junho de 2014, Poroshenko exigiu às Forças Armadas que varressem os separatistas e lhe entregassem uma Ucrânia inteira. A fanfarronice acabou esta semana com a mais vergonhosa derrota das Forças Armadas ucranianas na cidade de Debaltseve. Para Poroshenko, a derrota foi uma retirada organizada e preparada com todo o cuidado pelos responsáveis militares. Para toda a gente, foi uma debandada generalizada que pode trazer consequências nefastas para o presidente ucraniano. A realidade, mais uma vez, pode estragar rapidamente os sonhos de poder do rei do chocolate. Mesmo debaixo das saias da União Europeia, em especial da senhora Merkel, de Barack Obama, os fascistas e nazis que combatem os separatistas pró-Rússia podem cansar-se de Poroshenko e organizar outra revolta na Praça Maidan para o pôr na rua. O primeiro sinal veio logo a seguir à assinatura dos acordos de Minsk, a 12 de Fevereiro. Os líderes das brigadas nazis e fascistas negaram a Poroshenko o direito de ter assinado um cessar-fogo e recusaram obedecer às ordens de Kiev.
O rei do chocolate, que é odiado por Putin, arrisca tudo neste póquer perigoso. Arrisca o poder e arrisca o dinheiro que ganhou em 25 anos de democracia. E se Yanukovich está hoje perdido algures na Rússia, Poroshenko bem pode, num futuro próximo, andar pelas ruas de Berlim a vender chocolates. A vida dá sempre grandes voltas.