Acorda às cinco da manhã e pouco depois já está em ligação com a família em Portugal. De novo ao telefone, agora connosco, a agente Kensi de “Investigação Criminal” fala das gravações da série, do filho, River, que não perde as filmagens, da rotina na terra das estrelas, e recorda o dia em que rezou por um papel nos “Jardins Proibidos”
Reunir os amigos para assistir à maratona dos Óscares de volta de umas quantas fatias de pizza. Até aqui nada de novo, não estivéssemos em casa
do actor Chris O’Donnell, como tem acontecido nas últimas edições com Daniela Ruah. Em vésperas de mais uma cerimónia da entrega dos prémios do cinema, apanhamos a actriz portuguesa de 31 anos em mais um dia a conduzir por Los Angeles a caminho de uma gravação de vozes, e no último dia do workshop de castings que andou a frequentar.
Seis da tarde em Lisboa, dez da manhã em Los Angeles. O dia está a começar ou já vai longo?
Por acaso hoje é um dia que começou um bocadinho mais tarde. Normalmente começo a trabalhar pouco depois de me levantar, às cinco da manhã, quando ligo aos meus pais, por exemplo. Mas hoje não tenho gravações a sério, só gravações de voz. Às vezes fazemo-las, se há alguma problema de som numa série, como se faz no cinema, no fundo. Estou a caminho de fazer isso neste momento. É trabalho mas não é trabalho, como quando tenho outras coisas marcadas, como ginásio.
É fácil organizar os dias ou cada dia é um dia?
É completamente irregular o dia. Tanto posso começar às seis da manhã, por isso acordo cedo, como posso começar às dez ou depois de almoço. Durante a semana temos um plano de episódios e consigo ter mais ou menos a noção. Aqui há regras muito rigorosas. Se acabar de gravar tarde, só nos podem marcar trabalho com uma diferença de 12 horas. Portanto, se terminamos um dia mais tarde, no dia seguinte começamos mais tarde.
Dizia que falava com os seus pais logo de manhã.
Todos os dias. Aí a diferença horária até dá jeito. Ligo logo de manhã quando estou a caminho do trabalho, e o bebé adormece no carro, é outra calma. Durante o dia já começa a ser uma correria, e depois só conseguimos falar até às três da tarde, porque aí já são 11 da noite. Tenho sempre tudo um bocadinho planeado.
O português continua a ser praticado com regularidade. Nunca sente a língua perra, como por vezes acontece quando vivemos já há algum tempo fora do país de origem?
No limite foi mais difícil quando me mudei para Inglaterra, para a faculdade. Mas não foi algo que tenha notado. Reparei simplesmente, porque alguém me chamou a atenção num trabalho, que estava com um ligeiro sotaque a falar português. E eu “o quê?! Nunca!” Falo imenso com os meus pais e faço questão de falar português com o meu filho, daí que o meu português se mantenha.
Ele vai consigo para as rodagens?
Sempre. Aliás, um terço daquilo que digo durante o dia é em português, sem dúvida. Só falo com o meu filho, o River, em português. Claro que o pai é americano, vai falar com ele em inglês, mas como passa mais tempo comigo, e até com a nossa babysitter, que é de El Salvador, peço-lhe que fale com ele em espanhol. Portanto ele vai aprender três línguas de uma só vez [risos].
Já está há meia dúzia de anos nos EUA, primeiro em Nova Iorque, depois em Los Angeles. Há algum hábito americano que tenha abraçado em particular?
Acho que uma das coisas que me afectam mais no dia-a-dia são as horas. Aqui a vida começa realmente muito cedo e acaba cedo. As pessoas saem do trabalho por volta das cinco, mas as lojas estão abertas até tarde. Aqui levanto-me às cinco, estou na estrada às seis, e a estrada já está cheia de gente. Não há trânsito mas há muita gente em Los Angeles. Há o hábito de acordar cedo e terminar as coisas mais cedo. Discotecas e tudo, que agora já não frequento.
Desfruta desse lado?
Sim, totalmente. Fazemos uma vida completamente normal. Sempre dissemos antes de ter o River que não iríamos alterar a nossa vida, nem ser daqueles pais que ficam em casa. Nada disso, ele adormece no carro, levamos o ovo connosco, vai para o restaurante. Ainda por cima já tem mais de um ano, é um companheirão, está connosco à mesa. Faz parte do nosso estilo de vida. Eles são muito adaptáveis. Claro que também temos o nosso date night. Não sei se aí há uma expressão [risos]. É uma coisa muito americana. Duas ou três vezes por mês tentamos fazer um jantarinho só os dois, assim uma coisa mais romântica.
Consegue que o jantar não seja interrompido por fãs a pedir autógrafos?
Claro. Em Los Angeles e Nova Iorque é a coisa mais fácil. Há tantos actores a viver por aqui, e há pessoas com uma visibilidade muito maior que eu. Há quem venha falar, cumprimenta, dizem que gostam da série. Mas é uma coisa calma, ainda por cima o público que temos é mais velho, não é maioritariamente jovem.
Da “Investigação Criminal”?
Sim, a audiência jovem é talvez mais mundial que propriamente americana.
E acontece-lhe o oposto, a vontade de abordar uma estrela?
[Risos.] Vontade de pedir autógrafos não, e nem sequer é a ideia de conhecer. De repente são pessoas que olhamos, que fazem parte da nossa vida e nos fazem lembrar de uma série de coisas. Automaticamente há uma familiaridade, que eles não sentem, naturalmente, mas que nós sentimos. O máximo é dizer que gosto imenso do trabalho deles. Muitas vezes nem digo que também sou actriz, porque um dia podemos vir a trabalhar com essa pessoa. Por outro lado, quando um actor me vem elogiar o trabalho também aprecio muito. Ou mesmo um fã, que não tem problema nenhum. São os fãs que nos mantêm a trabalhar. É uma dinâmica engraçada. Já estive na mesma sala com o Jon Voight várias vezes e fico sempre: “É um clássico do cinema, maravilhoso!” É assim.
Vamos ter a entrega dos Óscares este fim-de-semana. Costuma seguir a cerimónia?
Normalmente as pessoas juntam-se para assistir. Vemos os Óscares, gostamos, criticamos, elogiamos. O ano passado, e em anos anteriores, fomos a casa do Chris O’Donnell. Juntamo-nos lá fora, vemos TV, bebemos vinho, ele arranja uma pessoa para fazer pizzas, e acabamos por fazer uma noite gira. Ele tem cinco filhos. É um ambiente de amigos de trabalho. Mas sim, vivem-se muito os Óscares em Los Angeles.
Imagina-se um dia numa cerimónia daquelas, agora não a ver pela televisão mas na condição de nomeada?
Se me imagino estar ali? Não é algo que me passe agora pela cabeça. Não tenho tempo nenhum para fazer cinema neste momento, ou pelo menos para fazer um papel maior. A minha participação nos Óscares, como convidada ou participante mesmo, não é um factor neste momento. Vejo de casa, aprecio o glamour, divirto-me a ver. É daquelas coisas que, se acontecerem, óptimo, se não acontecerem, óptimo também. A Anne Hathaway disse uma vez uma coisa gira: “Se ganhar o Óscar não será a melhor coisa que me aconteceu, e se não ganhar também não será a pior coisa que me aconteceu.” É essa a mentalidade. Se não for, não fui. Desde que trabalhe constantemente em coisas de que goste, estar criativamente realizada é o que me interessa.
Falava da oportunidade para fazer filmes. Não os faz por falta de tempo e não tanto por falta de opções?
É uma mistura de tudo, simplesmente se não estivesse a fazer a série se calhar fazia vários castings por semana. Eles existem, andam por aí. A minha agente só me manda os castings para as coisas que tenho oportunidade de fazer. Não vale a pena mandar dez castings por semana se não tiver tempo; não vou fazer um casting para um projecto que começa em Agosto se estiver a trabalhar em Agosto.
Aquela ideia romântica de que a certa altura já não é preciso fazer castings e nos batem à porta…
Ui, não! Até posso dizer que há muitos actores com muito mais experiência que ainda fazem castings. Podem ser mais exclusivos, sem estar na sala misturados com os mais inexperientes, mas fazem--nos. Antes de fazer a série fui fazer um casting e quando ia a entrar o Ryan Reynolds passou por mim, de saída. É assim que acontece.
Os castings ainda a deixam nervosa?
Sim, totalmente. Não são nervos de ser avaliada, nem os nervos de alguém mais inexperiente, que fica a tremer. Eu não tremo. Quanto mais castings fizer, mais relaxada estarei. Mas como faço poucos dou muita atenção ao pouco que tenho. Aliás, neste momento estou a fazer um workshop de casting. É uma aptidão como as línguas. Devem ser constantemente treinadas para não se desvanecerem. Saber fazer um casting é uma competência e além disso estou a fazer a mesma personagem há muito tempo, com os mesmos escritores e realizadores. Estou habituada a um certo formato. Hoje é a última aula.
Receia ficar demasiado colada ao papel da agente Kensi Blye, a sua personagem na série “Investigação Criminal”?
Colada em termos de imagem, não me preocupa.
Há vários actores que saíram da televisão, como o George Clooney, que fez o “Serviço de Urgência”. Além disso, a nossa série tem uma grande visibilidade mas não passamos a vida nas revistas, nas passadeiras vermelhas, não há um desgaste como há com algumas séries que têm uma componente mais jovem, como a “Twilight”. Vamos sempre lembrar-nos da Kristen Stewart. Depende muito do projecto. Acho que neste a personagem não ficará muito colada.
O fenómeno das séries enquanto produto de culto que seguimos religiosamente manifesta-se de forma semelhante nos EUA?
Sim, acontece aqui também. Acho um fenómeno engraçado termos actores de cinema, dos mais novos aos mais prestigiados, a quererem saltar para as séries. Como o Jon Voight, por exemplo, que está a fazer a “Ray Donovan”, que é uma série fabulosa. O Dustin Hoffman também fez uma série óptima, que depois foi cancelada.
Como explica o interesse crescente?
Os guiões são muito melhores, a realização também, a estabilidade geográfica e monetária é outra. A “Investigação Criminal” é um bom exemplo disso. Para quem a vê com regularidade, cada episódio é um filme de acção. Temos explosões, tiroteios, perseguições. Demoramos oito dias a gravar um episódio. Depois temos dramas, comédias, combinadas com guiões e realizações mais ricos do que alguma vez foram.
Assiste à sua série?
Vejo, claro. Todos nós trabalhamos muito intensamente e queremos ver o resultado. Há improvisos, cenas cortadas, coisas editadas. Há orgulho, curiosidade. Acabamos por conversar todos sobre isso, discutimos as audiências. Tudo isso interessa. Gostamos de ver o que funciona.
Começou a trabalhar nos “Jardins Proibidos”, aos 16 anos. Ainda se lembra dessa estreia?
Lembro-me perfeitamente. Fiz o casting, chamaram-me uma segunda vez. Estava na escola quando me telefonaram, foi o Ivan Coletti [produtor da NBP]. Disse-me que não tinha ficado para o papel da Teresa, era para esse que estava a fazer casting, mas que tinha ficado com a Sara, que era a melhor amiga dela. O que me interessava naquele momento era conseguir um papel numa novela portuguesa, nem queria saber qual era o papel [risos]. Lembro--me de estar deitada na cama, a rezar, literalmente, para ficar com um papel, e a prometer que tinha boas notas na escola. Foi um nervosismo…
Tinha o compromisso de manter o aproveitamento na escola.
Sim, em Portugal não existe o mesmo apoio que aqui. Uma criança abaixo de certa idade tem obrigatoriamente de ter um certo número de horas de estudo, e há sempre um tutor presente. Depois fiz o “Dei-te Quase Tudo”.
De onde vinha o gosto pela representação?
Não foi por acaso nem tive sempre a certeza. Sempre gostei de representar, fazia muita dança [em 2006 venceu a final do programa “Dança Comigo”], e todos os sábados de manhã na minha escola tínhamos aulas de teatro, com a actriz Teresa Côrte -Real, de quem gosto muito. A partir daí achei que devia seguir o caminho da dança mas surgiu o papel nos “Jardins Proibidos” e tomei-lhe o gosto. Vi que se queria fazer alguma coisa para o resto da vida seria a representação e agora tenho uma paixão enorme pelo que faço.
Em algum momento duvidou deste caminho?
Não, mas também tenho tido sempre muita sorte, no sentido em que tenho trabalhado constantemente. As únicas alturas em que não tive trabalho foi quando optei por não trabalhar. Quando fui para a faculdade decidi dedicar-me aos estudos. Quando voltei de Londres não sabia onde iria trabalhar outra vez, arranjei trabalho no Coconuts, uma discoteca em Cascais, e muito pouco tempo depois recebi a chamada da TVI para fazer o programa “Cinebox”, sobre cinema. Logo depois surgiu uma novela, e depois outra. Nunca estive parada tempo suficiente para duvidar de mim própria. Depois Nova Iorque. Também nunca pensei se estaria na área certa, mas há alturas de poucos castings ou muitas negas em que a pessoa se questiona se não deve voltar para casa. Mas foi um pensamento muito superficial. Tenciono continuar a trabalhar o mais possível.
Vê-se a trabalhar em Portugal?
Trabalhar em Portugal, tenho sempre essa abertura e essa vontade, mas em termos de permanência, enquanto trabalhar nos EUA isso não faria sentido. Mas adorava fazer aí um filme, uma participação numa série. Tenho vontade de trabalhar em português.
Para a continuarmos a ver no ecrã nos próximos tempos, é seguir a “Investigação Criminal”?
Certíssimo!