Assim que a foto caiu no Twitter, o mundo inteiro aplaudiu a coragem da supermodelo que fez ontem 49 anos. Celulite, estrias, idade – tudo a nu, sem Photoshop. Mas Cindy não foi tida nem achada e tem-se mantido em silêncio desde então. Num volte-face inesperado, podemos estar a aplaudir uma violação de privacidade
Quando o colectivo se pôs de pé para aplaudir a coragem de Cindy Crawford, uma pergunta ficou por fazer. A supermodelo queria mesmo que aquela foto desse a volta ao mundo em oito segundos? Ninguém sabe a resposta, porque Crawford não foi previamente consultada. De repente, a euforia do colectivo – que na mesma semana crucificou Uma Thurman por uma plástica que não fez – pode estar a aplaudir uma violação de privacidade. Ainda alguém se lembra de como começou esta história?
A 13 de Fevereiro, Charlene White, jornalista britânica, largou a foto no Twitter e foi uma questão de segundos para assistir às ondas de choque. No tweet anunciava que a “Marie Claire” ia publicar fotos de modelos sem retoques de Photoshop, e ninguém questionou. A informação da jornalista foi dada como certa e a internet teve um espasmo viral, seguido de várias réplicas com diferentes epicentros. As vénias, os aplausos, os likes e os retweets foram aos milhões. Quando, no mesmo dia, a pivot da ITV News corrigiu a mão, dizendo que as fotos, afinal, apesar de serem da “Marie Claire”, não eram de uma edição futura mas de uma antiga, metade do mundo já não estava a ouvir. O primeiro tweet ainda estava a reverberar.
Foi a própria “Marie Claire”, edição norte-americana, que deixou a primeira migalha no caminho da verdade. As fotografias não eram suas, lia-se no site, mas da “Marie Claire México e América Latina”, com quem não tem ligação. A produção era para o número de Dezembro de 2013, quando Cindy Crawford tinha 47 anos. Sem se alongar muito sobre o tema, a revista aplaudia a beleza natural da modelo e tocava subtilmente o alarme: estávamos perante mais um leak da internet. “Independentemente do sítio de onde veio, a foto é esclarecedora. Sempre soubemos que a Cindy Crawford era linda, mas vê-la assim só nos faz gostar ainda mais dela.”
Enquanto o primeiro tweet de Charlene continuava a ser clonado em diferentes línguas, as notícias de seguimento da história geravam muito menos cliques. Nem um sexto dos leitores do tweet zero está ainda a ler quando a CNN fala com a responsável pela edição mexicana da revista, Ariadne Grant. “Durante a sessão que fizemos naquela altura para a nossa edição, provámos que a Cindy é uma embaixadora da beleza que fez história. Foi um privilégio ter este ícone da moda na nossa capa.” Ariadne Grant defende que o que interessa na notícia é notar a beleza que Crawford sempre foi e dizer o quão felizes estão por ela ter feito parte da produção da revista – “um título que mostra a beleza e poder de mulheres reais, sempre respeitando a sua beleza, individualidade e feminilidade”.
By the way, agora que já quase ninguém nos ouve, a fotografia que Charlene White divulgou – e que foi tirada por John Russo, um fotógrafo de moda que é, ele próprio, uma celebridade – nunca chegou a ser publicada na “Marie Claire Mexico”. Nem na capa nem em página alguma. Nas sete páginas em que Crawford aparece – em vários retratos em que evoca o espírito de Maria Felix, actriz mexicana –, a pouca pele que se vê no decote tem o brilho inconfundível de uma tarde no Photoshop.
Então, onde é que Charlene White – o seu Twitter é, entretanto, o maior do bairro e as suas aparições em programas para discutir beleza real multiplicam-se – foi buscar aquela imagem?
Longe das redes sociais e dos seus seguidores, Charlene tem um novo pedaço de informação para dar à CNN. Terá visto a foto pela primeira vez no Instagram de um amigo e foi de um blogue de moda (de que não se lembra do nome) que retirou a imagem que tweetou. Os dias passam, os likes continuam e até Jamie Lee Curtis publica – no Twitter, claro – uma foto sua em lingerie, como apoio à causa de Crawford. À causa de quem? Cindy continua calada. Nem sequer comenta a fotografia que o seu marido publica no Instagram, logo no dia seguinte ao sucedido, que calha ser de São Valentim, onde aparece de biquíni, a apanhar sol na piscina e deslumbrante como sempre.
Charlene, por seu lado, aproveita a boleia do tsunami e torna-se porta-voz de uma luta em que quase todas as mulheres acreditam: mais beleza real, menos fantasia nas páginas das revistas. “Sabem o que seria realmente maravilhoso? Que esta não fosse uma foto não oficial, mas sim uma imagem de uma sessão fotográfica utilizada nas páginas de uma revista. Conseguem imaginar o poder que teria?”, escreve na sua coluna do “The Guardian”.
Vamos então aos factos. Charlene White publicou uma foto íntima de Cindy Crawford sem o seu conhecimento ou permissão, tanto quanto sabemos até aqui. E neste momento, para além da ressaca dos 49 anos – celebrou-os ontem –, Cindy, se estiver chateada com esta fuga, tem um problema de relações públicas nas mãos. Depois da euforia, é complicado voltar atrás. Como é que pode agir contra Charlene, agora que é a deusa da beleza real? Cindy Crawford está tramada. Se a vida imitar a arte ou, pelo menos, os caminhos tortuosos de “House of Cards”, vamos acabar por descobrir que foi a própria que passou as fotos à jornalista. E o espasmo vai voltar à rede, com epicentro em Nova Iorque.