Fátima Lopes. “Não troco a cabeça que tenho aos 45 pela que tinha aos 25”


Celebrou 20 anos de carreira e continua a liderar as audiências no período da tarde, com o talk show “A tarde é sua”. Fátima Lopes não tem medo de envelhecer, acredita que o equilíbrio é uma das chaves da felicidade e espera ver nos portugueses a mesma mentalidade que os levou a dar mundos ao…


Celebrou 20 anos de carreira e continua a liderar as audiências no período da tarde, com o talk show “A tarde é sua”. Fátima Lopes não tem medo de envelhecer, acredita que o equilíbrio é uma das chaves da felicidade e espera ver nos portugueses a mesma mentalidade que os levou a dar mundos ao mundo

É uma das caras mais conhecidas e queridas da televisão portuguesa, mas garante que muitas vezes nem dá conta de que está a trabalhar e que a televisão ainda não perdeu a magia, apesar das transformações que sofreu ao longo dos anos. Contou os segredos de uma vida feliz, equilibrada e próxima do público.

Tem uma carreira de 20 anos e continua a liderar audiências. Como se faz isso?
Com muita cabeça. Pode parecer evidente, mas não é. Tem de haver capacidade de equilibrar as várias áreas da vida. Nos primeiros três anos não era mãe, e tinha uma disponibilidade total para a parte profissional, pelo que investi a 200%. Cheguei a fazer prime-time e day-time ao mesmo tempo. Trabalhava sete dias por semana. Mas estava numa altura da minha vida e numa fase em que sabia que o podia fazer. Tinha a certeza de que um dia que fosse mãe ia querer equilibrar as coisas de outro modo, porque é esse o meu projecto de vida e a minha maneira de estar. A partir do momento em que nasceu a minha filha doseei a quantidade e o tipo de trabalhos – passei a ser mais selectiva. Porque para ser feliz tenho de ter tempo para a minha família e para mim. Não sou workoholic, de maneira nenhuma! O trabalho é muito importante, amo aquilo que faço, mas também tenho de ter tempo para aqueles que amo.

Portanto, é um caminho que se faz devagar…
A construção desta carreira foi mesmo passo a passo. Nunca quis pôr o carro à frente dos bois ou dar um salto maior que a perna, e tive paciência para esperar pelas coisas no tempo certo. Às vezes quando as pessoas querem tudo de uma vez dá asneira. As coisas têm um timing na nossa vida. Há umas que não estamos preparados para viver e querer antecipá-las é ou não as fazer bem, ou não as desfrutar da melhor forma. E acho que desde cedo tive esta percepção, de que era preciso ir com calma. E depois valorizar os mais velhos é muito importante. Recordo-me de, no início da minha carreira, olhar para pessoas como o Júlio Isidro, o Artur Agostinho, grandes pessoas do audiovisual, e pensar que na altura já tinham 20 ou 30 anos de carreira. De olhar e perceber que era um percurso consistente, sem grandes oscilações, construído calmamente com muito trabalho, com muito empenho, com muita paixão mas também com muita serenidade.
E percebi que essa era a atitude certa. Eu não queria ser um epifenómeno, queria construir uma carreira.

Qual é o formato em que se sente melhor?
No day-time, sem dúvida alguma. Porque é aquilo que eu faço há mais anos. Já faço day-time há 17 anos, ininterruptamente.

Mas estar em directo todos os dias não é cansativo?
Aquilo que as pessoas acham que é cansativo é maravilhoso. Porque todos os dias temos convidados diferentes, histórias diferentes, e portanto é uma oportunidade de crescimento gigante. O meu trabalho exige que esteja bem preparada, ou seja, que tenha as histórias muito bem sabidas, que esteja muito dentro dos temas. A partir daí, o que me é pedido é saber ouvir o convidado e deixar fluir a conversa. Mas não é simples. Ou seja, não é esgotante, isso não é, mas não é simples. Saber ouvir é uma coisa que nesta profissão é tão importante como saber falar.

Aprende-se a saber ouvir?
Não sei se sei responder a isso. [Silêncio.] Pode aprender-se alguma coisa. Há apresentadores que quando começaram a trabalhar não sabiam ouvir. Foram muito emendados, deram-lhes muita informação e formação para saberem ouvir. Mas já vem um bocadinho das pessoas. Aquela pessoa que tem muita necessidade de protagonismo, que tem um ego maior que ela, vai sempre ter muita dificuldade em ouvir. Parece-me. Eu, por natureza, ainda não era apresentadora e já gostava de ouvir. Gostava de me sentar ao pé de pessoas mais velhas
a ouvir as suas histórias e ali ficava, aliciada. Perguntava imensas coisas, queria saber pormenores da história que estavam a contar. E é isto que eu faço. Ouvir e ir lá mais fundo, chegar à pessoa… é esta parte que eu acho que nasce connosco ou não. O resto é trabalho: eu diria que há 10% de talento, e 90% de trabalho.

Começou por tirar Jornalismo, fez comunicação, mas acabou nos ecrãs.
E apaixonei-me, completamente. Adoro o que faço. Adoro o que faço! A maior parte das vezes
nem me lembro que é trabalho. Quer dizer: eu li a história, tenho a pessoa ali ao pé de mim, disponível para conversar, eu estou disponível para ouvi-la… quando a entrevista acaba e nós para além da entrevista conseguimos mudar alguma coisa na vida daquela pessoa – e não precisa de passar por entregar ou dar alguma coisa –, sentimos que a televisão ainda não perdeu o seu lado mágico de mudar vidas. Se eu sentir no olhar daquela pessoa que qualquer coisa que foi ali dita fez um clique, o dia está ganho. Tenho pena de não ter trazido uma carta que me foi enviada por um jovem […] a dizer que eu não tinha consciência da importância das coisas que lhe tinha dito quando veio cá [ao programa “A Tarde É Sua”]. E de quanto eu tinha feito diferença. Do clique que tinha representado, porque ele próprio não tinha consciência da qualidade do que tinha feito até eu o pôr frente a frente com o que ele fez. E isso para mim foi muito gratificante. Fiquei tão feliz com aquela carta, tão feliz. E são esses momentos que eu guardo no meu coração, porque são uma espécie de oxigénio que alimenta a vontade de continuar.

Dão ânimo?
É perceber que às vezes uma frasezinha… sei lá, lembro-me de que no outro dia tive cá um senhor que cuidava da mãe. Alguém cuja vida estava parada porque a senhora estava acamada e muito debilitada, e ele dizia “eu não consigo imaginar a minha vida depois da morte da minha mãe. Um dia que a minha mãe morra, acho que prefiro morrer. Não vou aguentar”. Era uma pessoa sozinha, não tinha constituído a própria família… e saíram-me assim um monte de coisas: “não pode ser. Esta é a lei natural da vida. Se assim não fosse, Deus tinha feito de outro modo. E portanto tem de se preparar, tem de perceber que está a dar o seu melhor e que a sua mãe parte com o coração cheio, que teve um filho que a amou muito enquanto cá esteve e isso é o melhor, mas a sua mãe, como é sua mãe, vai querer a sua felicidade , não vai querer que parta”. E disse-lhe mais meia dúzia de coisas que na altura me saíram. No dia seguinte ele manda para cá um email a dizer: “Obrigado, Fátima. Não tem consciência do que se passou em mim depois das palavras que ouvi.” E isto, para mim, é tão compensador, tão compensador, que talvez não tenha noção…

Sente que muda vidas?
Sinto. E que o faço naturalmente. Não é, “ah, vou dizer isto porque é bonito ou porque é o que se espera que eu diga”. Eu não gosto do “é suposto” porque soa a falso. E o espectador percebe. Há uns anos o espectador não estava tão instruído sobre estes meandros da televisão. Hoje consegue ler as nossas atitudes, os nossos gestos. Até consegue ler o nosso olhar. Às vezes as pessoas abordam-me na rua e dizem: “a Fátima ontem não gostou daquele convidado”. E eu: “Ah, que disparate…” “Não, não, não, via-se nos seus olhos que a Fátima não estava a gostar do discurso daquele senhor.” Que bom! Que bom que é assim.

Está diariamente a ser escrutinada.
[Gargalhadas.] Sim. Mas isso é bom.

Disse que a televisão continua a ser mágica. O que mantém a magia?
A proximidade com as pessoas. Por um lado, a televisão não pode perder o glamour nem pode perder a capacidade de fazer sonhar, porque muitas vezes as pessoas vêem os programas de televisão – nem estou a falar do meu, mas os de prime-time, que são programas com muito glamour, com muita alegria. E precisam disso. Precisam de receber coisas que sejam positivas, que encham o olho, que as façam sonhar, que as transportem para aquela realidade. Às vezes estar a ver um programa de entretenimento pode ser apenas estar a ver gente bonita. […] A capacidade de nos transportar para um universo glamoroso… Isso eu acho que a televisão tem de manter! E também o lado humano. O lado do cidadão comum, do cidadão anónimo, a história e a proximidade com as pessoas são para mim a grande mais-valia dos canais generalistas. A televisão está em transformação, não há dúvida nenhuma. Não é igual a quando eu comecei a fazer televisão, mas acho que as pessoas continuam a sentir necessidade disto, de pensar “está ali aquela senhora mas podia ser eu”.

Como se faz essa transformação?
Eu acho, muito honestamente, que não me transformei. [Silêncio.] Acompanhei a mudança mas não tive de fazer grandes exercícios. Se forem ver os programas que fiz no início e os que faço agora, vêem que fui sempre a mesma pessoa. É sinal de que não tive de fazer um flik flak à retaguarda na minha personalidade para me adaptar aos novos tempos. Fiz questão, desde o início, de ser eu própria.
Lembro-me de que quando comecei por substituir outras pessoas dizer: “Não vou imitar nunca as pessoas que vou substituir.” Primeiro, a cópia nunca é tão boa como o original. Nunca. Por isso é que é uma cópia. [Risos.] E portanto ao fazê-lo estaria a defraudar-me e ao espectador.Estaria a criar um boneco. E eu não consigo criar bonecos. Fazer de conta disto ou daquilo não dá para mim, choca com a minha personalidade, deixa-me infeliz. Se o público gostar de mim, eu fico. Se o público não gostar, eu saio. Isso é uma coisa que ao longo destes 20 anos mantive inalterada.

Mas houve coisas que mudaram.
Por exemplo, no início da minha carreira não me permitia chorar em televisão. Ninguém mo tinha dito, mas eu achava que não devia. Que era mostrar um lado frágil. Quando comecei a fazer o “Fátima Lopes”, o talk show, ouvia histórias duríssimas […] E houve um dia, já não me lembro porquê, que pensei: mas porque é que eu não hei-de chorar? Sou humana como eles. Está a custar-me horrores ouvir isto, porque é que eu tenho de calar isto se eu, Fátima, choraria nesta situação? Então a Fátima Lopes também chora porque eu sou só uma. E comecei a mostrar a emoção, a alegria, tudo o que me vai na alma. Acho que foi aí que me aproximei das pessoas. Porque me dei na totalidade. Não pus barreiras, não me proibí de nada, e permiti-me simplesmente ser eu.

É seguidora da psicologia positiva. Como é que a usa no seu dia-a-dia?
Por exemplo quando me acontece uma situação menos boa. Para já, muita atenção à linguagem, porque as palavras têm energia, vibração, e têm o impacto daquilo que significam na nossa mente. Se me perguntar: então mas a Fátima acha que é possível fazer algo?, e eu disser “Na, na, não, isso é impossível”, estar a dizer que é impossível já faz com que crie dentro de mim a energia de que para acontecer eu tenho de ultrapassar um milhão de obstáculos. E portanto sou muito cautelosa com as palavras que utilizo. Muito cautelosa. Ou, por exemplo, tenho a minha lista de objectivos e chego ao final do ano e faço sempre um balanço e uma lista de objectivos para o ano seguinte. Depois vou olhando para essa lista e vendo que coisas se vão concretizando. Quando há algo que eu quero, na direcção da qual já dei uns quantos passos mas que teima em não acontecer, percebo que das duas uma: ou não é para concretizar ou não é o momento certo para o fazer. E deixo cair. Porque quando uma coisa é difícil – e utilizo esta palavra de propósito – quando é dolorosa, cheia de obstáculos, não é para viver. Já vivi isso montes de vezes, várias vezes que insisti e me dei mal. Não estive atenta ao que a vida me estava a mostrar.

Quem é que a inspira?
A minha grande inspiração está nos meus pais. Por tudo o que me ensinaram, pelos valores que me transmitiram. São uma referência fortíssima, porque são pessoas bem formadas, coerentes, sensíveis, que nasceram com o coração no sítio certo. Eu gosto de pessoas que têm o coração no sítio certo. Porque há umas que têm o coração desviado e não o sabem.

O que falta no entretenimento em Portugal?
O mesmo que no mundo inteiro: hoje os formatos são criados e todos os países os compram. Falta capacidade de surpreender. Hoje é cada vez menos fácil surpreender. É uma coisa que já é rara, fazer alguma coisa que nunca tenha sido feita. Reinventarmo-nos.

O que é que gostava que mudasse no país?
A mentalidade. Que deixássemos de ter pena de
nós próprios, e que de uma vez por todas aumentássemos a nossa auto-estima. Que não nos concentrássemos naquilo que ainda não fazemos bem, que ainda não concretizámos, mas que conseguíssemos valorizar tudo o que fazemos bem
e já concretizámos. […] Caramba, fomos os responsáveis pelos Descobrimentos! Onde é que isso ficou? Onde é que isso ficou?! Está perdido onde?! Nós, um país tão pequenino no globo, desbravámos um território que nunca mais acaba e agora estamos prisioneiros do tamanho do nosso país? Porquê?!

Tem medo de envelhecer?
Não penso nisso. Até agora, e já vou fazer 46 anos, não penso nisso. Nunca fiz nenhuma intervenção no meu rosto, continua a ser o original. [Risos.] A única coisa que faço é cuidar bem de mim. Ter uma alimentação equilibrada, ter hábitos de vida saudáveis, fazer desporto com regularidade, fazer os meus tratamentos de hidratação – isso faço. Passo horas e horas maquilhada, debaixo de muitas luzes, e tenho esses cuidados. Mas não apanho sol na cara há dez anos. Levo isto muito a sério, porque se não o sol vai estragar-me a pele mais rapidamente e não é preciso apressar a chegada da idade. Ela chega sozinha. Mas não vale a pena ter nesta idade a pretensão da frescura dos 20, porque eu já não os tenho. Nem de rosto, nem de corpo. Já não os tenho. Não troco, de maneira nenhuma, a cabeça que tenho aos meus 45 anos pela cabeça que tinha aos 25!
Nem troco a maturidade pela frescura de pele e de corpo. Gosto muito mais de mim hoje do que gostava naquela altura, e acho que sou uma pessoa muito melhor hoje do que era então. Até acho que sou uma pessoa interiormente mais bonita hoje do que aos 20 anos.