Desde que está preso, Sócrates já enviou três cartas para os jornais e deu duas entrevistas por escrito. A primeira comunicação foi cinco dias após a detenção e nem a proibição de dar uma entrevista presencial o calou
José Sócrates foi proibido em Dezembro de dar uma entrevista presencial ao “Expresso”, mas desde que chegou à prisão de Évora já escreveu para seis órgãos de comunicação social. A primeira carta, enviada para o “Público” e para a TSF a 26 de Novembro, começava por criticar o circo mediático montado para receber a sua detenção. Nessa primeira reacção não fez qualquer referência aos factos com que foi confrontado em interrogatório, nem aos crimes por que foi indiciado, mas deixava claro que o PStinha de se manter afastado de qualquer polémica.
“Há cinco dias ‘fora do mundo’, tomo agora consciência de que, como é habitual, as imputações e as ‘circunstâncias’ devidamente seleccionadas contra mim pela acusação ocupam os jornais e as televisões”, referia, lembrando que “essas ‘fugas’ de informação são crime”.
Perante o que descrevia como uma “humilhação gratuita”, o ex-primeiro-ministro dizia nessa carta já ter aprendido uma lição: “Aqui está o verdadeiro poder – de prender e de libertar.” Deixava, porém, um aviso a esse “poder”: “Não raro a prepotência atraiçoa o prepotente.”
Sobre a colagem da sua prisão preventiva ao Partido Socialista, Sócrates foi claro: “Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.”
Passaram apenas cinco dias até que o ex-governante voltasse a reagir. No primeiro dia de Dezembro enviou algumas declarações à RTP, em que falava de alguns detalhes da venda dos apartamentos da família a Carlos Santos Silva. Operações que, para os investigadores do Departamento Central de Investigação e AcçãoPenal, serviram apenas para justificar a transferência, para as contas de Sócrates, de dinheiro que, sendo seu, estaria em nome de Santos Silva.
Na mesma carta desmentia ainda que a casa onde viveu em Paris – e que está em nome do amigo – fosse propriedade sua. “No primeiro ano vivi num apartamento arrendado; depois, de Setembro de 2012 a Junho de 2013, vivi no apartamento que me foi emprestado pelo meu amigo Eng. Santos Silva”, disse. Segundo a sua versão, Santos Silva teria comprado o apartamento “para o restaurar, arrendar ou vender”. Sócrates concluiu que por isso teve de sair da habitação assim que “começaram as obras”. Já nessa carta o socialista prometia que não se calaria: “É certo que é difícil eu falar. Estou preso. Mas não lhes faço o favor de estar calado…”
Mas é a 4 de Dezembro que José Sócrates começa a subir o tom nas críticas ao Ministério Público. Num texto manuscrito – a caneta vermelha – enviado ao “Diário de Notícias”, refere que em Portugal se “prende para investigar”, mas não só: “Prende-se para humilhar, para vergar. Prende-se para extorquir, sabe-se lá que informação.”
As críticas até aqui focadas na investigação e alargam-se também a todos os que são cúmplices do sistema.“Digamo-lo sem rodeios: o ‘sistema’ vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto”, atacava Sócrates, garantindo que para conseguir essa cumplicidade basta dizer a todas estas pessoas: “Deixem a justiça funcionar. Sim, não se metam nisto.”
Em Dezembro nada mais foi dito por Sócrates. As notícias continuaram a surgir todos os dias, mas tinham como foco as reacções das visitas à porta da cadeia ou informações do processo que os jornalistas iam conseguindo.
Logo no segundo dia de Janeiro, o ex--primeiro-ministro faz novas declarações. Na mesma por escrito, mas desta vez em formato de pergunta resposta e com mais pormenor. Por esta data já uma entrevista presencial tinha sido negada pelos serviços prisionais ao jornal “Expresso”. Na introdução da entrevista à TVI assegura que decidiu falar para se defender. “Em legítima defesa contra a transferência do julgamento para uma praça pública onde só pode fazer-se ouvir uma voz e onde só pode circular livremente uma versão deturpada das coisas”, afirma.
Na primeira resposta revela que não foi confrontado com qualquer prova: “Nem confrontado com factos, quanto mais com provas. E isto é válido para todos os crimes que me imputam, que considero gravíssimos para quem exerceu funções públicas.” Sócrates alega mesmo que a sua prisão funciona como uma prova para o Ministério Público. Isto porque, segundo diz, aos olhos da opinião pública, “se está preso” é porque “alguma coisa deve ter feito”.
Nesta entrevista critica também a prisão preventiva de Carlos Santos Silva e de JoãoPerna e desmente as notícias que davam conta do transporte de dinheiro em malas para Paris.
É nesta altura, no início de Janeiro, que se demarca dos negócios entre Carlos Santos Silva e Rui Pedro Soares e afirma ainda, sem rodeios, estar envolvido num processo de natureza política.
Um mês depois, no início desta semana, admitiu numa entrevista à SIC que Afonso Camões, actual director do “Jornal de Notícias”, o avisou em Maio de 2014 de que estava a ser investigado. O ex-governante explica, porém, que deu pouca importância a esse “boato”. Um dado novo para quem até aqui garantiu sempre desconhecer a investigação.
Sócrates confirma ainda nessa entrevista ter feito uma chamada telefónica para o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, em que intercedeu pelo Grupo Lena: “Vários anos depois de ter saído do governo, num almoço com o meu amigo Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida pelo senhor vice-presidente de Angola. Acedi ao pedido por mera simpatia.” Ainda assim assegurou que enquanto foi governante nunca intercedeu “directamente ou através de terceiros para favorecer as empresas do Grupo Lena ou do [seu] amigo Carlos Santos Silva”.