“Diário de um quiosque”. Há vida para além dos jornais e das revistas


Há um quiosque que não se limita a vender revistas e jornais. Retrata em palavras o que vive à sua volta. Dos seus escassos seis metros quadrados – um quiosque pequeno, é certo –, mas com sentimentos, e a provar o que todos sabiam e ninguém ousara ainda afirmar: os quiosques também têm diários. Bárbara…


Há um quiosque que não se limita a vender revistas e jornais. Retrata em palavras o que vive à sua volta. Dos seus escassos seis metros quadrados – um quiosque pequeno, é certo –, mas com sentimentos, e a provar o que todos sabiam e ninguém ousara ainda afirmar: os quiosques também têm diários. Bárbara Marinho foi à descoberta dos episódios mais hilariantes

“Soltando-se do rótulo de típico elemento urbanístico, ultrapassando o seu complexo de inferioridade, conquistando vida própria e adquirindo a personalidade que só os pequenos-grandes quiosques ousam almejar”, assim começa a descrição de “Diário de Um Quiosque”, o primeiro livro de Pedro Xavier Silva.

Sendo um livro de pequenas crónicas pode ler-se em qualquer lugar. Está escrito com sentido de humor, acessível, e com uma ironia subtil.

Apesar de ter nascido em Coimbra, Pedro vive na Figueira da Foz, onde adquiriu o quiosque em 2005, e é lá que conta as suas histórias e as regista no seu “Diário de Um Quiosque”.

“Na altura tinha um emprego que me ocupava apenas a meio tempo e a dois passos de casa apareceu o quiosque à venda. A ideia de passar para o lado de lá das bancas foi tomando forma, tendo sempre como pano de fundo ser um apaixonado pelo jornal e pela revista. Isso sim, herdado da família.”

Reuniu crónicas escritas entre 2007 e 2013. Seis anos em que se nota um apuramento do sentido crítico, a melhoria do sentido de humor e o refinamento da ironia. O autor corrobora esta ideia. “As primeiras crónicas não eram tão trabalhadas. O que saía à primeira era o que ficava. Ao longo do tempo fui ficando mais exigente comigo próprio. Mas sem nunca fazer da escrita um esforço nem algo forçado.”

Não houve propriamente a ideia de escrever um livro, “simplesmente chegou uma altura em que eram tantas as crónicas reunidas que, perante a insistência de alguns amigos e também o desafio de pôr à prova a qualidade da escrita, a ideia começou a fazer algum sentido”, começou por explicar.

Numa das suas crónicas podemos ler: “Muito poucos seres humanos têm noção da polivalência necessária para enfrentar os cerca de 7500 clientes que diariamente passam por este quiosque. Oferecer um jornal em troca de 90 cêntimos acaba por ser, contas feitas, a mais básica e menos exigente das funções a que este senhor se sujeita a troco de um miserável salário de 5200 euros mensais.”

De uma maneira geral encontram-se histórias vividas por quem está dentro de um quiosque, escritas para que o leitor possa descobrir o lado divertido de cada uma delas. Há episódios hilariantes que basta descrever tal qual como se passaram. E há também muita desgraça. “Conselheiro para vidas mais ou menos difíceis, comentador desportivo e da vida alheia, prestador de informações preciosas e, brasileiramente falando, arrumador de trocos, são algumas das competências primárias que a clientela espera de alguém como a minha pessoa. Mais recentemente passei a acumular igualmente as funções de personal trainer de carregamento de telemóveis. Para já só tenho um cliente. Mas dos grandes, daqueles que felizmente só aparecem de cinco em cinco anos. O serviço é oferta da casa.”

O autor não se inspirou em nenhum livro em concreto. “Eu não falo de nenhum escritor em particular, mas acima de tudo das pessoas que me rodeiam regularmente. Basta abrir a porta do quiosque e tudo pode acontecer.”

Um dos episódios descritos ao longo do livro, um dos mais marcantes para o autor, foi quando “a menina responsável pela avaliação da segurança e higiene no trabalho foi brindada na tola com uma ‘Cosmopolitan’, que caiu de uma prateleira superior. Foi irónico, divertido e felizmente sem consequências de maior, tanto para a avaliação da segurança no local de trabalho como para a tola da menina”.