Trovões, queijo de ovelha e vinho tinto


Não sei se estou no caminho certo. Isto parece só uma estrada secundária de montanha, não há casas, não há campos trabalhados, não há indicações Km 6923, Veroia, Grécia 10 de Novembro, Igoumenitsa, GréciaDepois de uma noite infernal, felicidade pura a fazer os meus últimos quilómetros na Albânia. A estrada retorcida, solitária e soalheira da…


Não sei se estou no caminho certo. Isto parece só uma estrada secundária de montanha, não há casas, não há campos trabalhados, não há indicações

Km 6923, Veroia, Grécia

10 de Novembro, Igoumenitsa, Grécia
Depois de uma noite infernal, felicidade pura a fazer os meus últimos quilómetros na Albânia. A estrada retorcida, solitária e soalheira da costa; a passagem que não é um ferry nem é uma ponte em Ksamil – uma espécie de jangada feita de troncos de madeira, puxada a cordas de um lado para o outro de umas poucas dezenas de metros de rio, e depois não há alcatrão, não há nada. Terra, gravilha e calhaus durante uma dezena de quilómetros. Não sei se estou no caminho certo, isto parece só uma estrada secundária de montanha. Não há casas, não há campos trabalhados, não há indicações. Mas eu segui sempre a mesma estrada, a que o mapa me indicava. De repente, no meio do nada e em frente à estrada de gravilha, há uma mulher à sombra de um pano a vender fruta. “Konispol?”. Ela responde com gestos enérgicos a apontar para a frente. Faz-me sinal para esperar. Pega em três tangerinas e oferece-mas. Guardo-as nos bolsos do casaco e sigo a serpentear os buracos da estrada.
A descascar tangerinas em Igoumenitsa enquanto espero pelo ferry para Corfu. Mais uma fronteira que ficou para trás, só mais uma fronteira à minha frente. Sol. A lembrança ainda fresca da noite longa de ontem, cheio de óleo nas mãos e nas calças, o cabelo sujo e desgrenhado – feliz.

11 de Novembro, Corfu
Pequeno-almoço com Kostas, Helena e Simone: peixe frito, ouzo (bebida de anis com uns 40º), queijo de cabra caseiro, salada de tomate, pão, legumes, vinho caseiro, tangerinas que apanhas tu.

12 de Novembro
Jantar com Kostas, Helena, Simone e Remo: cabrito com massa, batatas temperadas à campeão, saladinha da boa, queijo feta, vinho no qual, Kostas acusa, provavelmente a mulher anda a pôr água.

13 de Novembro
Acordo com relâmpagos e trovões. A chuva é intensa. Levanto-me e vou beber café com leite para o alpendre. Os cães correm de um lado para o outro a chapinhar no jardim transformado em lago. Remo levanta-se, e entre insultos para o ar, faz um levantamento dos estragos. A água entrou na oficina, em certas zonas do jardim chega-nos aos joelhos. Atacamos o trabalho como podemos: enxadas, vassouras, pás. Troco as calças e as botas por calções e chinelos – a pele seca mais depressa que a roupa – e faço-me à água. Cavamos regos à volta da casa, abrimos caminhos, guiamos os ribeiros que se criaram para longe. Entretanto o sol vai–se abrindo e, quando damos as escavações por terminadas, estão uns 26oC. Não perco a oportunidade. Pego nos calções de banho e sigo até à praia. Não há vivalma. O areal sabe a selvagem. O meu primeiro mergulho no Adriático.
16 de Novembro, Ioannina
Menu do jantar com Katerina, Elias e Antonis: vinho tinto de Creta, queijo de ovelha, azeitonas do olival do pai de Elias temperadas pelo mesmo. Feijões gigantes cozinhados pela avó de Katerina, brócolos temperados pelo Antonis, feta.

17 de Novembro
Menu da tarde: vinho branco de Zitsa, arroz especial da Katerina, carne de porco cozinhada no forno pelo Antonis, com três tipos de pimentos e um monte de outras coisas, iogurte, salada de alface, salada de tomate, pimento, cebola e feta. Depois a manifestação: celebra-se a sublevação dos estudantes em 73. Gosto destes meus novos amigos gregos. Olhos directos que se enfiam para dentro dos teus, consciência das coisas. São novos mas procuram uma noção clara da história e da política. Mesmo no meio daquilo que a malta de 21 anos tem de fazer (sair à noite até gastar todos os cartuchos, sofrer por amor e fazer de conta que está tudo bem, estar na moda, etc.), guardam uma identidade forte, marcada e autoconsciente, e mesmo assim sem tabus. Procura-se.
Depois da manifestação: pão frito com ovo, banhado em mel e feta.

19 de Novembro
Menu da tarde: vinho tinto, batatas cozidas em azeite,  espinafres salteados, queijo patsos* frito com ovo a cavalo, frango assado coberto de parmesão, pedaço de carne de vaca com molho de paprika.

(*Patsos, o nome do queijo, também é o nome carinhoso que por aqui se usa para insultar os polícias.)