Catalunha. A independência está a sair do reino das quimeras


  Dias depois de o líder da Generalitat da Catalunha ter anunciado eleições antecipadas, um membro do anterior governo catalão encontrou-se com o i num jardim de Lisboa para falar do momento histórico que a região está a viver. O tenso braço-de-ferro entre Artur Mas e o líder do governo central, Mariano Rajoy, em Setembro, por causa…


 

Dias depois de o líder da Generalitat da Catalunha ter anunciado eleições antecipadas, um membro do anterior governo catalão encontrou-se com o i num jardim de Lisboa para falar do momento histórico que a região está a viver.

O tenso braço-de-ferro entre Artur Mas e o líder do governo central, Mariano Rajoy, em Setembro, por causa do pacto fiscal com as regiões autónomas, aproximou o sonho independentista catalão da realidade. “Foi uma humilhação para Barcelona ter de pedir um resgate financeiro a Madrid quando a região representa 18% do PIB espanhol e cerca de 30% do total de exportações”, explicou na altura a fonte (que pede para não ser citada), já depois de dizer que “existe, neste momento, um movimento tão forte que nada vai ser como dantes.”

Essa parece ser cada vez mais a opinião de várias pessoas, entre catalanistas, analistas e afins. Perante a “gota de água” que foi a recusa de Rajoy em alterar o sistema de transferências fiscais, Mas, que é também líder do Convergência e União (CyU, partido da direita nacionalista com o maior número de assentos no parlamento catalão), antecipou as eleições com um farol a alumiá-las: o referendo pela independência.

“Rajoy não pode ignorar que um milhão e meio de pessoas saíram às ruas de Barcelona a 11 de Setembro pela independência”, diz o político catalão. “E os partidos que convocaram e apoiaram essa manifestação também não podem voltar atrás na promessa de referendo.”

Com a tomada de posição de Mas, Espanha entrou em frenesim, numa altura em que Rajoy continua a tentar evitar o pedido de resgate ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Central Europeu. Esse nervosismo tem ficado patente em declarações como a do ministro espanhol da Justiça de que “Espanha não existe sem Catalunha” e a ameaça de Rajoy de que “as fronteiras [entre regiões autónomas] têm os dias contados”. Dias depois, uma sondagem da Metroscopia e do “El País” mostrava que 24,5% dos espanhóis apoia um Estado sem regiões autónomas, contra 21,9% em Julho.

A Comissão Europeia veio, de seguida, dizer que uma Catalunha independente terá de passar pelo processo que qualquer país candidato a Estado-membro tem de cumprir. Mas a 30 de Setembro, dias antes do encontro com a fonte citada, a comissária europeia da Justiça quebrou com o discurso oficial da CE.

“Não há nenhuma lei que diga que a Catalunha deve sair da União Europeia se se tornar independente”, atirou Viviane Reding, numa acha para a fogueira que acalenta o CyU. “É um partido das pequenas empresas e europeísta”, lembra o catalão. “O próprio Mas já disse que só renunciará à independência se tiver de renunciar à Europa e ao euro.”

Depois do encontro com o político, o i falou com Anna Cortils, independentista catalã de 31 anos, a viver em Lisboa há dois, que carrega a certeza inabalável de que nada será como dantes.

“Apesar da campanha do medo que já começou por parte do Estado central”, os catalães podem finalmente “esperar a criação de um novo Estado, dentro ou fora da UE”, diz-nos a professora de catalão. “A Europa pode estar mais interessada num pequeno Estado solvente como será a Catalunha do que na situação actual, em que Espanha está muito mal vista pelos sócios europeus, pela péssima gestão da crise e pelos escândalos da monarquia”. Se a Catalunha for independente, acrescenta, “a UE terá de criar mecanismos legais para acolher todos os povos europeus sem Estado que queiram emancipar-se de Estados já membros”, no que parece ser uma nota sobre o antevisto efeito dominó do caso catalão a outras regiões. E se tudo isto falhar, “existe o Tribunal Penal de Haia”.

A opção pode parecer extrema, mas é mais uma prova de que os pró-independência entre os sete milhões de habitantes da Catalunha (que, diz Anna, não é uma região mas “um país sem Estado”) estão dispostos a tudo para a alcançar. O mesmo não se pode dizer com total certeza de Mas e do CyU, até porque não usam a palavra “independência”.

“É preciso sublinhar isso: eles não falam em independência, falam apenas no ‘direito a decidir’, o que parece apontar mais para os seus interesses de alavancagem fiscal” junto do governo central, diz a fonte catalã quando questionada sobre se Mas está a raptar uma vontade popular de décadas para pressionar Rajoy a dar autonomia financeira à Catalunha. “Gostava de pensar que as intenções independentistas do presidente Mas são reais, mas isso só o vamos ver nos próximos tempos”, acrescenta Cortils.

CONSTITUCIONAL Tanto o político catalão como Cortils dão como certo que os partidos pró-independência alcançarão maioria parlamentar a 25 de Novembro, obrigatória para poder haver referendo. “Independentemente de o CyU conseguir a maioria absoluta (segundo as últimas sondagens está perto disso), o que é claro é que as forças pró-soberania nacional vão ocupar mais de três quintos do parlamento, porque se prevê um aumento da Esquerda Republicana da Catalunha, a manutenção da Solidariedade Catalã pela Independência, a mais que possível entrada da Candidatura de Unidade Popular e a subida da Iniciativa Catalã [partido comunista e verdes]”.

Restam dois grandes partidos: o Socialista Catalão, “esquizofrénico e diferente do PSOE”, diz-nos o político, e o PP, conservadores no poder em Madrid. Cortils cita sondagens que antevêem uma perda para o primeiro e a possível manutenção dos 18 assentos que o segundo ocupa desde 2010. Suficiente para levar os catalães a clamar Ens Referèndum.

“O CyU terá de gerir bem a situação porque são milhões as pessoas à espera que aconteça alguma coisa e essa coisa só pode ser uma grande mudança”, diz Cortils. “O povo não se contentará com as migalhas de sempre” nem continuará a aceitar “os ataques contínuos” à Catalunha, que “nunca teve um encaixe fácil em Espanha”. A fonte do anterior governo acrescenta que a “quimera catalã não pode ser roubada”, até porque “são as quimeras que fazem os povos avançar”. Mas é cauteloso na hora de dizer se a independência está para breve.

Neste momento, o grande entrave à realização desse sonho é a Constituição espanhola. Assinado com o exército de Franco ao jeito de “café para todos”, expressão cunhada por Adolfo Suarez (presidente do primeiro executivo democrático espanhol no pós-ditadura), o documento dita que o país é “uno e indivisível”, não havendo mecanismos legais para que qualquer das 11 regiões possa declarar-se independente.

“A Constituição é anacrónica e sempre foi lida segundo os interesses de Madrid”, sublinha a professora, opinião partilhada pelo político catalão, que sublinha que “até Aznar [antigo presidente do executivo espanhol, do PP] está contra ela”.

Quando anunciou a dissolução do parlamento para convocar as eleições, Mas garantiu que, mesmo que “o governo [central] vire as costas e não autorize [só com a sua autorização é que o referendo pode acontecer], devemos fazê-lo na mesma”.

Para a independentista, a solução é simples: “Se não se puder realizar a consulta, a Catalunha pode proclamar a independência unilateralmente com toda a legitimidade.” Se isso vai acontecer e o que poderá provocar não é possível prever para já. Certo é que até ao final do ano, o cenário poderá já estar alterado.