O outro caso de Relvas. Pressões “inaceitáveis” não fazem cair ministro


O caso das pressões de Miguel Relvas sobre o “Público” resume-se a uma questão de semântica. O ministro recusou ontem tirar consequências políticas das pressões sobre o jornal, argumentando que foi “ilibado” pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de “pressões ilícitas”. Mas nada disse sobre o facto de o presidente da própria ERC…


O caso das pressões de Miguel Relvas sobre o “Público” resume-se a uma questão de semântica. O ministro recusou ontem tirar consequências políticas das pressões sobre o jornal, argumentando que foi “ilibado” pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de “pressões ilícitas”. Mas nada disse sobre o facto de o presidente da própria ERC considerar essas mesmas pressões “inaceitáveis” – expressão que só não constou do relatório final por “erro”, como admitiu Carlos Magno.

“Fui ilibado em toda a linha” pelo relatório da ERC, disse Miguel Relvas, uma, duas, três vezes. O ministro Adjunto levava a mensagem definida e não se desviou dela. Debaixo de fogo por causa do processo de licenciatura (ver texto ao lado), foi ontem ouvido no parlamento por causa do outro caso que o envolve: as pressões sobre uma jornalista do “Público”.

As respostas foram sempre curtas e o argumento o mesmo: o relatório da ERC iliba-o de “pressões ilícitas” e não menciona a expressão “pressões inaceitáveis”, apesar de os responsáveis da entidade o terem assumido posteriormente. Aliás, essa omissão na deliberação – um erro assumido pelo presidente da entidade – foi usada pelo governante para contornar as perguntas da oposição dizendo que estava na comissão para falar de factos objectivos: “Não quero comentar o que disseram os membros da ERC. Limito-me a ser factual sobre a deliberação.”

O ministro esteve durante a manhã a ser ouvido na comissão de Ética na sequência do relatório da ERC e das audições aos responsáveis da entidade reguladora e levava, como estratégia única para o encontro com os deputados, a “credibilidade” da ERC e dos técnicos da entidade reguladora: “[O relatório] não foi elaborado pelo poder político e afasta qualquer suspeita sobre a minha conduta”, disse. No relatório, a ERC afirma que a actuação do ministro “poderá ser objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional […], ainda que não caiba à ERC pronunciar-se sobre tal juízo”.

Se tudo estava programado no guião de Relvas – que assumiu uma postura mais calma que o habitual em audições no parlamento –, uma afirmação de Filipe Neto Brandão, do PS, obrigou-o a um desvio de percurso, e de tom. O deputado perguntou ao ministro se “numa democracia sadia, para que um membro do governo reconheça que não tem condições para continuar no cargo” é necessário que seja uma autoridade independente ou judicial a fazer um juízo negativo. Relvas não gostou e garantiu que não vai retirar consequências políticas do caso, uma vez que o considera “encerrado”. “Eu sei como estou na vida pública, respondo pelos meus actos e pelos meus comportamentos e se há coisa de que prescindo e prescindimos todos é de falsos moralismos”, disse, referindo depois que Portugal já assistiu a muitas tentativas de “assassinatos de carácter”.

As respostas do ministro não agradaram à oposição. Para António Filipe, do PCP, o caso “Público” “nunca foi um problema de ilicitude, mas de práticas inaceitáveis”. “O senhor ministro faz este tipo de pressões e ameaças – termos da própria ERC – e vem dizer que porque não é ilícito pode-se fazer? Acha que um ministro tem o direito de actuar desta forma?”, questionou. Também a deputada Catarina Martins, do BE, insistiu que a conduta do ministro foi “inaceitável” e por isso sintetizou: “Não só temos um ministro que se quis esconder atrás da ERC. Agora também quer esconder-se atrás dos técnicos da ERC […] O senhor ministro está completamente descredibilizado.”

Regulação Da audição de ontem ficou a conclusão de que a ERC já não é credível para nenhum partido da oposição. Além do PCP e do BE, também o PS – que deu o sim aos nomes do actual regulador – apontou o dedo à credibilidade do organismo. Para o deputado Manuel Seabra, a decisão da ERC é uma “verdadeira trapalhada”, mas “dada esta sua constituição só podia ter tomado esta decisão”. Ao i o deputado explica que os socialistas não vão apresentar para já nenhuma iniciativa legislativa, apesar de considerar importante rever os “fundamentos” da ERC.